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23 de dez. de 2012

Apontamentos Sobre a Terceira Revolução Industrial


A história da humanidade é marcada por acontecimentos que transformaram profundamente o ambiente social. Esses acontecimentos tanto podem ter origem na difusão de inovações técnicas que alteram o contexto econômico-social, como reformulações políticas e culturais, que acabam por mudar as estruturas estabelecidas, alterando a forma como o homem interage com o meio ambiente.
Nesse sentido, a queda do Império Romano, a intensificação do comércio e formação das cidades a partir do século XIII na Europa, a difusão da imprensa a partir do invento de Gutenberg, o descobrimento das Américas, a revolução produtiva da máquina a vapor dando sustento à formação do capitalismo industrial, etc., tratam-se de acontecimentos que, em maior ou menor grau, causaram reformulação na sociedade estabelecida.
Não interessa aqui apresentar uma classificação de períodos históricos, mas compreender a importância desses acontecimentos, não como decorrentes de fatos isolados, mas na sua relação com as transformações na sociedade humana.
Por cem anos (...) o conhecimento foi aplicado a ferramentas, processos e produtos, criando a Revolução Industrial, mas também aquilo que Karl Marx (1818-1883) chamou de “alienação”, novas classes e guerra de classes, e com elas o comunismo. Em sua segunda fase, iniciada por volta de 1880 e culminando com o fim da Segunda Guerra Mundial, o conhecimento em seu novo significado passou a ser aplicado ao trabalho, resultando na Revolução da Produtividade, que em setenta e cinco anos converteu o proletariado na classe média burguesa, com renda próxima à da classe superior. Assim, a Revolução da Produtividade venceu a guerra de classes e o comunismo.
A última fase começou depois da Segunda Guerra Mundial. Hoje em dia, o conhecimento está sendo aplicado ao próprio conhecimento. É a Revolução Gerencial. O conhecimento está rapidamente se transformando no único fator de produção, deixando de lado capital e mão-de-obra. Pode ser prematuro (e certamente presunçoso) chamar a nossa sociedade de “sociedade de conhecimento”; por enquanto, temos certamente uma economia do conhecimento. Mas nossa sociedade é certamente “pós-capitalista”. (Drucker, 1997, p. 3-4)
Luciano Coutinho destaca o papel da inovação tecnológica e identifica sete principais tendências que vêm se destacando a partir de meados da década de 1970: “(1) o peso crescente do complexo eletrônico; (2) um novo paradigma de produção industrial – a automação integrada flexível; (3) revolução nos processos de trabalho; (4) transformação das estruturas e estratégias empresariais; (5) as novas bases da competitividade; (6) a ‘globalização’ como aprofundamento da internacionalização; e (7) as ‘alianças tecnológicas’ como nova forma de competição.” (Coutinho, 1992, p. 71).


O autor observa ainda a evolução dessas características a partir dos países industrializados:
As condições técnicas para a constituição do “complexo eletrônico” estavam configuradas desde os meados dos anos 70, nas economias industriais avançadas, com a aproximação da base tecnológica das indústrias de computadores e periféricos, telecomunicações, parte importante da eletrônica de consumo e um segmento da área de automação industrial. Foi ao longo dos anos 80 e especialmente na fase de crescimento mundial contínuo após 1983 que a rápida difusão de bens e serviços do complexo eletrônico preencheu inequivocamente as condições econômicas schumpeterianas, produzindo o que Cristofer Freeman e Carlotta Peres denominaram de um verdadeiro “vendaval de destruição criativa”. (Coutinho, 1992, p. 71)
Peter Drucker, observando pelo foco gerencial e histórico, verifica a influência das inovações tecnológicas em interação com as dinâmicas sociais do capitalismo, fazendo surgir o que ele chama de "Revolução Gerencial":
Esta terceira mudança na dinâmica do conhecimento pode ser chamada de “Revolução Gerencial”. Como suas predecessoras – conhecimento aplicado à ferramentas, processos e produtos e conhecimento aplicado ao trabalho humano – a Revolução Gerencial já se estendeu a todo o planeta. Foram precisos cem anos, da metade do século dezoito até a metade do século dezenove, para que a Revolução Industrial dominasse o mundo. Foram precisos cerca de setenta anos, de 1880 até o fim da Segunda Guerra Mundial, para que a Revolução da Produtividade fizesse o mesmo. E menos de cinquenta anos – de 1945 a 1990 – para que a Revolução Gerencial também dominasse o mundo. (Drucker, 1997, p. 22)


O sociólogo americano Immanuel Wallerstein também concorda com a ideia que o sistema capitalista está em transformação. Porém a visão desse autor não reconhece a evolução, mas a superação do sistema, pelo fato dos mecanismos de acumulação de capital estarem se exaurindo:
(...) o sistema existe para a acumulação incessante de capital. O que eu venho argumentando é que isso está sendo prejudicado por três razões: um, o nível mundial de salários vem subindo e deve continuar crescendo por causa da “desruralização” do mundo; dois, o preço da matéria-prima vem subindo por causa do fim da possibilidade de externalização barata dos custos, essa é a crise ecológica; e três, o preço da arrecadação de impostos vem subindo mundialmente – a porcentagem de dinheiro recolhido, que é destinada ao Estado, por aquilo que eu chamo de democratização do mundo, à medida que a população pressiona o Estado para que este lhe propicie saúde, educação e renda perpétua.
Então, há três fatores, em escala mundial, que vêm encolhendo as margens de lucro – e vão continuar a fazê-lo cada vez mais. Por um lado, do ponto de vista dos capitalistas, vale cada vez menos fazer parte do sistema e, por outro lado, é cada vez mais difícil de manter legitimidade política. (Wallerstein, 1999)


Talvez se possa argumentar que a própria tecnologia da informação, pela difusão de inovações técnicas e gerenciais, contribua para esse processo, de modo que a busca por vantagens competitivas se tornaria cada vez mais complexa (como relacionada à produtividade do trabalho do conhecimento) ou situacional e menos duradoura. Trata-se do argumento, já considerado por Michael Porter (ver AQUI), que a competição, apesar do desenvolvimento tecnológico, antes de fortalecer as organizações econômicas está a levá-las a uma posição de maior fragilidade, dados os custos na busca por vantagens na fronteira tecnológica.
Wallerstein causa polêmica com sua opinião de que mesmo as melhorias atribuídas ao capitalismo constituem uma interpretação falsa, quando indagado sobre a forma de avaliar as condições humanas:
(...) Você tem de medir em termos de quantidade real de comida para comer, de espaço para usar, de recursos naturais para aproveitar e até longevidade. Eu não estou completamente convencido de que a longevidade aumentou. Claro que sim, estatisticamente, mas muito desse aumento tem a ver com a sobrevivência infantil, entre as idades de 0 a 1 ano e de 0 a 5 anos. Não estou muito convencido de que as pessoas que atingem os 5 anos vivem mais do que elas viviam antigamente. E, você sabe, as pessoas têm televisão agora, o que elas não tinham cem anos atrás, mas possuíam outras formas de divertimento. As pessoas vivem em uma favela urbana e antes elas moravam em uma cabana agrícola – qual é melhor? Nós temos um trabalho difícil de medir qualidade de vida. As pessoas morriam por razões diferentes; se essas são melhores ou piores do que as razões (ou doenças) pelas quais se morre agora, eu não sei. (Wallerstein, 1999)
Alvin Toffler, entretanto, apresenta uma visão mais coerente a respeito:
(...) Já se observou, por exemplo, que se os últimos 50 mil anos de existência do homem fossem divididos em gerações de aproximadamente 62 anos cada, terá havido cerca de 800 gerações. Dessas 800, 650 foram passadas nas cavernas.
Somente durante as últimas 70 gerações foi possível haver uma comunicação efetiva de uma geração para outra – porque a escrita a tornou possível. Somente durante as últimas seis gerações é que massas de indivíduos chegaram a ver uma palavra impressa. Somente durante as últimas quatro foi possível medir o tempo com alguma precisão. Somente nas últimas duas é que alguém, em algum lugar, fez uso de um motor elétrico. E a esmagadora maioria de todos os bens materiais que usamos na vida diária de hoje foram desenvolvidos dentro da atual, a 800a geração. (Toffler, 1998, p. 25)


De qualquer forma, reconhecendo-se o histórico de alterações sociais e o dinamismo das mudanças no sistema capitalista, inevitavelmente se verifica o crescimento da importância da formação educacional do indivíduo e sua atualização constante. Mais que nunca, a difusão tecnológica e todas as suas implicações e oportunidades levam à necessidade de formação de indivíduos com competências intelectuais nunca antes requisitadas.
Se, em seus primórdios, o capitalismo necessitava separar o trabalhador qualificado de suas ferramentas, o que só conseguiu com o aperfeiçoamento tecnológico, agora é justamente a inovação tecnológica que necessita do conhecimento do trabalhador qualificado para desenvolver-se. A especialização para o trabalho não é a mesma, estando relacionada ao conhecimento, assumindo um caráter mais generalista e de capacidade de adaptação.
Quando, em 1926, decidi não ir para a universidade, mas trabalhar, depois de concluir o segundo grau, meu pai ficou desolado; nossa família era tradicionalmente de advogados e médicos. Mas ele não tentou me fazer mudar de idéia, nem profetizou que eu nunca seria nada. Eu era um adulto responsável que desejava trabalhar como adulto.
Cerca de trinta anos depois, quando meu filho completou dezoito anos, eu praticamente forcei-o a fazer um curso superior. Como seu pai, ele queria ser um adulto entre adultos. Como seu pai, ele sentia que havia aprendido pouco em doze anos de escola e que suas chances de aprender mais ficando mais quatro anos não eram particularmente grandes. Como seu pai naquela idade, ele focalizava ações e não o aprendizado.
Mas 1958, trinta e dois anos depois que eu saíra da escola para ser estagiário em uma firma de exportação, um diploma universitário passara a ser uma necessidade. Em 1958, não fazer um curso superior era “cair fora” para um jovem americano que havia crescido em uma família próspera e se saíra bem nos estudos. Meu pai não teve a menor dificuldade em achar uma vaga para mim em uma empresa respeitável. Trinta anos depois, nenhuma dessas empresas teria aceito um graduado no segundo grau como estagiário; todas elas teriam dito: “Vá para a faculdade por quatro anos – e a seguir faça um curso de pós-graduação”. (Drucker, 1997, p. 20-21)

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
COUTINHO, Luciano. A Terceira Revolução Industrial e Tecnológica. Revista do Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, n. 1, p. 69-87, ago. 1992.
DRUCKER, Peter. Sociedade Pós-Capitalista. 7. ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
TOFFLER, Alvin. O Choque do Futuro. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.
WALLERSTEIN, Immanuel.  A Ruína do Capitalismo. Folha de S. Paulo, 17. out. 1999.  Mais!, p. 9-10. Entrevista concedida a Gustavo Ioschpe. 



8 de dez. de 2012

Sobre a Riqueza Das Nações


Robert Reich, no excelente livro "O Trabalho das Nações", destaca que as fronteiras nacionais, não são mais plenamente definíveis e limitadas, inclusive no que diz respeito ao mercado de trabalho. O estabelecimento de barreiras tarifárias e práticas protecionistas pode agir mesmo em sentido contrário à dinâmica econômica, pois a riqueza das nações não se define mais apenas pela valoração de bens econômicos, mas pela agregação de conhecimento, pela capacidade de trabalho da nação em interação com a economia internacional.


Michael Porter também comunga de pensamento semelhante:
De acordo com a teoria econômica consagrada, os fatores de produção – mão-de-obra, território, recursos naturais, capital e infra-estrutura – determinarão o fluxo de comércio. O país exportará as mercadorias que mais utilizam os fatores de que é melhor dotado. Essa doutrina, cujas origens remontam a Adam Smith e David Ricardo, e que impregna a economia clássica, é, na melhor das hipóteses, incompleta, e na pior das hipóteses, incorreta.
Nos setores sofisticados, que constituem a espinha dorsal de qualquer economia avançada, o país não herda, mas, ao contrário, cria os mais importantes fatores de produção – como recursos humanos qualificados ou base científica. Ademais, o estoque de fatores do país num determinado momento é menos importante do que a velocidade e a eficiência com que os gera, aprimora e distribui entre os diferentes setores. (Porter, 1999, p. 184)


Porter observou ainda os efeitos negativos de políticas protecionistas, destacando a importância de manutenção de um ambiente competitivo:
A regulamentação da concorrência, através de políticas como a preservação de situações de monopólio, o controle da entrada nos setores ou a fixação de preços, apresenta duas consequências muito negativas: inibe a rivalidade e a inovação, à medida que as empresas se concentram no relacionamento com os reguladores e na proteção das atuais posições; e torna o setor menos dinâmico e desejável, como comprador ou fornecedor. No entanto, a desregulamentação e a privatização em si não são bem sucedidas sem uma rivalidade doméstica vigorosa – o que requer, como corolário, uma política forte e consistente de defesa da concorrência. (Porter,1999, p. 202)
Nessa ordem econômica internacional, as relações de trabalho também sofrem acentuada mutação. A competitividade das nações não se determina mais a partir de uma classe trabalhadora industrial produzindo bens a serem comercializados. Com o acirramento da concorrência e a internacionalização dos mercados, o desenvolvimento tecnológico propiciando cada vez mais alta produtividade e qualidade na fabricação de produtos torna-se fator fundamental na busca por vantagens competitivas.
No entanto, ao considerar a globalização da competição, é preciso enfrentar um aparente paradoxo: embora as empresas de fato se envolvam na competição global e ainda que os insumos como matérias-primas, capital e conhecimento científico agora se movimentem com liberdade por todo o mundo, são fortes as evidências no sentido de que a localidade continua a desempenhar um papel crucial na vantagem competitiva. Primeiro, persistem as diferenças marcantes no desempenho econômico dos países, e dos estados e cidades dentro deles. Segundo, numa vasta gama de setores, os principais competidores do mundo estão localizados em um ou dois países. Essa tendência é sobremodo acentuada se o setor é definido de forma mais restrita, em termos significativos para o estabelecimento da estratégia, e quando se excluem os setores em que as políticas governamentais distorcem a competição. Essa concentração geográfica da estratégia competitiva aparece não apenas nos setores tradicionais, como os de automóveis e de máquinas-ferramentas, mas também em novos setores, como o de software, biotecnologia e materiais avançados. Terceiro, as empresas globais de fato dispersam as atividades por muitos países, mas continuam a concentrar numa única localidade a massa crítica das suas atividades mais importantes para a competição em cada uma das suas principais linhas de produtos ou áreas de negócios. No entanto, curiosamente, essas "bases domésticas", como as denomino, não se localizam todas no país de origem ou sequer no mesmo país. (Porter, 1999, p. 327)
Nesse contexto, Reich caracteriza o trabalho segundo três estamentos básicos: serviços rotineiros de produção, serviços pessoais e serviços simbólico analíticos.
Entende por serviços rotineiros de produção os trabalhos relacionados à manufatura, à indústria, à confecção de bens, de produtos físicos. É o que restou da Primeira Revolução Industrial, não sendo mais o setor que absorve a maior parte da força de trabalho, dados os ganhos de produtividade registrados ao longo das últimas décadas.
Por serviços pessoais, entende as atividades relacionadas à área de serviços, atualmente mais preponderante em termos de geração de empregos.
Acima dessas categorias de trabalho, concentrando e direcionando as decisões (e absorvendo a maior parte dos ganhos), estão os chamados serviços simbólico analíticos, que englobam atividades com características de maior especialização e qualificação, responsabilidade e comando (trabalhos ligados a solução e identificação de problemas, consultoria, gerenciamento, marketing, etc.).
São os indivíduos que compõe a classe dos analistas simbólicos que, no modelo de Reich, capitaneiam o desenvolvimento econômico das nações, através de um círculo virtuoso do trabalho e do conhecimento:
Uma força de trabalho inteligente e capacitada para realizar tarefas complexas, e que consegue transportar com facilidade os frutos de seu trabalho para a economia global, fatalmente atrairá dinheiro para si. A atração pode se desenvolver dentro de um virtuoso relacionamento: profissionais bem treinados e infra-estrutura moderna atraem teias empresariais globais, que investem e proporcionam a esses profissionais funções consideravelmente recompensadoras; por sua vez, essas funções geram mais treinamento em operação e mais experiência, criando assim um poderoso atrativo para outras teias globais. À medida que as aptidões aumentam e a experiência acumula-se, os cidadãos de um país agregam valores cada vez mais altos à economia mundial, merecendo crescentes compensações e elevando seu padrão de vida. (Reich, 1994, p. 248)
Peter Drucker também havia considerado sobre a crescente importância do trabalho firmado no conhecimento, tendo observado a respeito:
Uma sociedade dominada por trabalhadores do conhecimento está sob ameaça de um novo conflito de classes: entre a grande minoria dos trabalhadores do conhecimento e a maioria das pessoas que ganha a vida à maneira tradicional, seja pelo trabalho manual, qualificado ou não, seja em serviços, também qualificados ou não. A produtividade do trabalho do conhecimento – ainda muito baixa – irá se tornar o desafio econômico da sociedade do conhecimento. Dela dependerá a posição competitiva de cada país, indústria ou instituição da sociedade. A produtividade do trabalhador em serviços, sem conhecimento, será o desafio social da sociedade do conhecimento. Dela dependerá sua capacidade para dar rendas decentes e, com elas, dignidade e posição social aos trabalhadores sem conhecimento. (Drucker, 1999, p. 201)


Desta maneira, para geração de riqueza e bem-estar econômico, mostra-se fundamental a capacitação de trabalhadores qualificados, que agregam valor às teias econômicas que interagem no cenário global.
Os últimos quarenta anos da economia mundial renderam uma outra lição a respeito do que funciona: investimentos no exterior não "exportam empregos", ao contrário, criam empregos no mercado doméstico. Deveríamos ter aprendido isto com o desempenho dos EUA nos anos 60. Quando as multinacionais americanas expandiram rapidamente seus investimentos – na França, na América do Sul, no Japão – a economia doméstica criou empregos rapidamente. E quando, nos anos 80, as multinacionais americanas voltaram a fazer grandes investimentos no exterior, particularmente na Europa – mais uma vez a taxa de emprego doméstica cresceu depressa. O mesmo vale para o Japão, onde, como já dissemos, os empregos criados pelos investimentos em rápida expansão no leste da Ásia – com pesados investimentos em fábricas que produzem bens para o mercado japonês – não destruíram empregos, mas os salvaram em grandes números. Vale igualmente para a Suécia, que, de todos os países industrializados, foi o que mais investiu em fábricas no exterior.
A razão é o comércio institucional gerado por esses investimentos. Em manufatura – e em muitos serviços, tais como o varejo -, o investimento por trabalhador em maquinário, ferramentas e equipamentos de uma nova fábrica é de três a cinco vezes a produção anual. (Drucker, 1999, p. 132)

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
DRUCKER, Peter. Administrando em Tempos de Grandes Mudanças. São Paulo: Pioneira, 1999.
PORTER, Michael. Competição. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
REICH, Robert. O trabalho Das Nações. São Paulo: Educator, 1994.

27 de nov. de 2012

Apontamentos Sobre a Economia Japonesa


O sucesso do Japão nos mercados internacionais, com produtos competitivos em preço e qualidade (embora atualmente a competição por preço seja especialidade da China), trouxe a atenção do Ocidente para o modelo operacional japonês. Com o incentivo de associações empresariais norte-americanas, as técnicas gerenciais foram copiadas e adaptadas.
A ascensão japonesa na década de 1970 e sua consolidação nos anos 1980, não teve prosseguimento a partir dos anos 1990. Prejudicada pela apreciação do yen, pela crise financeira, pela estagnação econômica e pelo real ganho de competitividade das empresas do Ocidente, a estrutura industrial japonesa perdeu muito de sua atração no que se refere à busca de aperfeiçoamento gerencial.
A bolha estourou no início de 1990, com o mercado de ações perdendo a metade do seu valor em apenas alguns meses. Se os bancos e as companhias de seguros tivessem sido forçados a reduzir a valores realistas as suas ações e hipotecas, teria havido um colapso financeiro em massa. Em vez de organizar uma retirada administrada e controlada – semelhante àquela que os americanos fizeram com os empréstimos a países latino-americanos e as hipotecas -, o Japão está fingindo que os prejuízos nunca ocorreram. Na primavera de 1993, as compras maciças de ações e bônus pelo governo responderam por um terço do total  de compras na Bolsa de Valores de Tóquio. A linha oficial é que os mercados "devem" subir tão logo a economia se recupere, permitindo que o governo venda seus papéis e até tenha lucro. Mas isso nunca funcionou. A própria existência desses papéis em poder do governo limita o mercado. E cada dia que se passa sem que a realidade financeira seja encarada torna o problema menos tratável, mais controverso e politicamente corrosivo. (Drucker, 1999, p. 166)
Pode-se dizer que o desenvolvimento das técnicas gerenciais conhecidas como Gestão da Qualidade Total é fruto do processo de difusão de inovações das vantagens competitivas levadas a cabo pela economia japonesa em seu processo de recuperação, depois da II Guerra Mundial, e orientação para exportação.
De seu lado, o Ocidente teve sucesso na adaptação e desenvolvimento dessa técnicas, embora não sem registrar fracassos. E esse processo é fomentado ainda pelo fato de o desenvolvimento da tecnologia da informação e dos novos meios de comunicação e negócio (Internet, telecomunicações, software, biotecnologia) estar centrado no Ocidente. A década de 1990 marca, assim, uma resposta do Ocidente ao desafio japonês.
O nervosismo japonês com relação à inovação e internacionalização parece refletir um fracasso, não apenas de líderes empresariais específicos, mas também da abordagem japonesa à liderança como um todo. O culto ao consenso funcionava bem quando a economia japonesa estava crescendo 10% ao ano. Mas a economia estagnada está testando a capacidade dos chefes de tomar decisões difíceis. Eles precisam se livrar do excesso de funcionários (ou pelo menos aposentá-los precocemente) e resolver em que linha de negócios devem se concentrar. A concorrência de empresas ocidentais com rígida administração significa que as empresas japonesas precisam ser capazes de tomar decisões com rapidez. Agora que o Japão está se envolvendo cada vez mais com o resto do mundo, através de joint-ventures e operações no estrangeiro, os gerentes japoneses não podem mais se basear em um processo decisório que só é compreensível para seus colegas japoneses. (Micklethwait, Wooldridge, 1998, p. 217)
Não se deve desconsiderar os aspectos singulares da economia japonesa e sua política empresarial, não tão voltada para a maximização do lucro e consumo como ocorre nos EUA.
Se for feita a mesma pergunta a empresas japonesas [sobre prioridades em termos de atender seus vários públicos], a ordem de atendimento é inversa [à das empresas americanas] – empregados em primeiro lugar, clientes em segundo, e acionistas em terceiro. “As metas da companhia serão crescimento e longevidade, a lucratividade aparecendo num distante terceiro lugar na lista de prioridades. Os acionistas independentes não ocupam uma boa posição na lista de prioridades de atendimento da companhia [...] Os gerentes japoneses representam os interesses de toda a coalizão de acionistas e de não acionistas ou grupos isolados.” (Thurow, 1993, p. 160)
Esse quadro deve ser observado como um pacto social japonês, onde há defesa de um mercado fechado mesmo quando os produtos do exterior são mais baratos, onde é menor a propensão ao consumo (quando em comparação com as economias de outros países industrializados) e do fato das empresas japonesas registrarem lucros inferiores aos seus concorrentes estrangeiros.
A propensão do Japão a importar bens manufaturados de outros países desenvolvidos é um quarto da propensão dos Estados Unidos e um doze avos em relação à Alemanha. Dependendo do estudo, as importações japonesas situam-se de 25% a 45% abaixo do que seria de esperar considerando-se as circunstâncias do Japão. As diferenças de preços que não deveriam existir num mercado global existem. Os preços de produtos comerciáveis são 86% mais altos no Japão do que os preços desses mesmos produtos nos Estados Unidos. Teoricamente, pode-se ganhar muito dinheiro comprando-se produtos nos Estados Unidos e vendendo-os no Japão. Entretanto, no Japão, ninguém se aproveita dessas oportunidades de grandes lucros. Os estrangeiros que tentam fracassam. (Thurow, 1993, p. 136)
(...)
Grande parte do sucesso japonês face à crescente valorização do iene deve ser atribuída à sua disposição de aceitar menores lucros. Embora certamente tenham trabalhado para se tornar mais eficientes, companhias como a Matsushita e a Hitachi não hesitam em cortar os seus lucros pela metade, a fim de permanecerem competitivas. Os lucros da Matsushita em termos de percentuais de vendas caíram mais de 12% no início da década de setenta para 7 a 8% no final dos anos oitenta. Os lucros da Hitachi caíram da faixa de 11 a 12% para a faixa de 6 a 7%. (Thurow, 1993, p. 152)
(...)
Numa relação das 50 maiores companhias do mundo em função de seus lucros, 18 são americanas, apenas três são japonesas, quatro são alemãs e 11 são inglesas. Se analisarmos a taxa de retorno de equidade dos acionistas, as empresas americanas entre as 50 maiores recebem 13,3%, ou 50% mais do que os 9,1% recebidos pelas empresas japonesas entre as 50 maiores. Objetivamente, as empresas americanas são mais orientadas para o lucro do que as japonesas.
Da mesma forma, se relacionarmos os bancos mundiais pelo volume de seus ativos, nove dos dez maiores bancos do mundo são japoneses; nenhum é americano. Entretanto, se os bancos forem classificados segundo o retorno de equidade, seis dos dez mais lucrativos bancos do mundo são americanos; nenhum é japonês. (Thurow, 1993, p. 168)
Apesar disso, não se pode desconsiderar a capacidade histórica do Japão em superar dificuldades, nem seu alto grau de desenvolvimento econômico. No entanto, cabe indagar sobre a influência dessas características econômico-sociais do Japão no fato do país se encontrar em longo período de estagnação econômica e ainda sem perspectiva de reversão da situação.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
DRUCKER, Peter. Administrando em Tempos de Grandes Mudanças. São Paulo: Pioneiras, 1999.
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
THUROW, Lester C. Cabeça a Cabeça: a batalha econômica entre Japão, Europa e Estados Unidos. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

9 de nov. de 2012

Algo Sobre a Cultura Laboral no Japão


Após a II Guerra Mundial, por pressão da força de ocupação americana, foram instituídas leis trabalhistas rígidas no Japão dificultando a demissão de funcionários e estabelecendo o emprego vitalício (prática já conhecida na sociedade japonesa desde o início de sua industrialização). O objetivo das medidas era reduzir ao máximo o desemprego, evitando maior caos social no processo de reconstrução do país (e, talvez, também melhorar a imagem dos americanos frente à população).


Contudo, é necessário frisar que o sistema japonês de evolução salarial por senioridade (trabalhador mais antigo, em mesma função, recebe mais que trabalhador mais recentemente contratado), o incentivo à resolução de problemas em equipe (os outrora famosos "Círculos de Controle de Qualidade") e o papel ativo da companhia na vida social do indivíduo, não constituem necessariamente um sistema harmônico. Antes, o Japão é caracterizado, em comparação com os ideais do ocidente, como uma sociedade rígida e hierarquizada, limitadora das aptidões individuais, repulsiva à iniciativa e criatividade e discriminatória em relação às mulheres e estrangeiros.
(...) As pressões de uma sociedade que enfatiza a harmonia acima de tudo podem pesar seriamente sobre indivíduos isolados, especialmente sobre os talentosos (...) No caso do Japão, a maior parte dos danos permanece invisível. Há perda de criatividade, sufocamento dos sentimentos da pessoa, o tributo pago às mediocridades altamente colocadas, a brecha que às vezes se abre sinistramente entre o que os japoneses chamam de tatemae, ou aparência desejada das coisas, e as honne, as condições reais, o pensamento real, os motivos que cada um realmente tem. Vivendo e trabalhando no Japão, o indivíduo se sente às vezes como um ator num drama estilizado Kabuki, encenando dentro de uma estufa. No fim, mesmo o estrangeiro, ainda que bem gradualmente, acaba por viver o papel. Não há maneira de escapar. (Gibney, 1982, p. 28)
Em relação ao emprego vitalício, sua prática é contestável, nunca chegando a ser totalmente difundida entre as empresas e regulamentada formalmente, sendo produto de consenso entre lealdade à empresa em troca de garantia de emprego.
Convém frisar, todavia, que somente uns 30% da força-de-trabalho japonesa – aqueles empregados nas grandes corporações – se beneficiam [do sistema de senioridade] (...) e 98% das empresas japonesas não oferecem "emprego por toda vida". (Rattner, 1987, p. 25)
Por outro lado, no Japão, a mudança de emprego é desestimulada. Primeiro porque a senioridade é contada a partir da data de entrada no emprego. Normalmente, quem sai de um trabalho e consegue emprego em outra empresa começa com o mais baixo salário. Segundo porque a prática de mudança de organização é socialmente mal vista, pois quem deixa um emprego é considerado como pessoa pouco confiável.
Não é de se esperar que dedicar toda a vida profissional a uma única organização seja suficiente para satisfazer as inspirações pessoais de determinada profissão, o que acaba tolhendo a criatividade e iniciativa individual, gerando indivíduos oprimidos e frustrados.
Em 1995, pela primeira vez, os japoneses questionados em uma pesquisa anual realizada pelo Ministério do Trabalho, declararam que a satisfação profissional era mais importante do que a lealdade à empresa (...) Trabalhadores de meio expediente e temporários já constituem  mais de um quarto da força de trabalho japonesa. (Micklethwait, Wooldridge, 1998, p. 157)
Também é questionável a informação que nas corporações japonesas, apesar de inseridas numa sociedade hierárquica e tradicional, as decisões sejam balizadas pelo consenso em grupo:
Quanto ao processo decisório baseado em consenso, na realidade, alguém toma a iniciativa e os outros endossam sua posição ou proposta. Embora considerem que todos participam do processo em pé de igualdade, de fato poucos ousariam manifestar uma opinião minoritária ou discordante. A necessidade de se preservar a harmonia do grupo leva indivíduos a ocultar sua “honne” ou sentimento verdadeiro, revelando apenas a máscara ou "tatemae”, alinhado com os outros. (Rattner, 1987, p. 27)
Assim, contrapõe-se a ideia arraigada que as práticas japonesas de gestão possam ser transplantadas para outras economias e que, por si só, explicariam o sucesso do país nas décadas de 1970 e 80.
Na verdade, devemos compreender esse modelo de relação de trabalho como fruto das características históricas e culturais próprias da sociedade japonesa, em sua adaptação ao sistema capitalista, do que como um paradigma para referência em administração (como se tentou fazer quando a economia japonesa estava no auge).
O modelo japonês, sem levar em consideração esses aspectos, somente resultaria em efetividade em alguns processos técnicos e operacionais, não sendo correto supor que suas técnicas de gestão sejam de fato mais evoluídas ou que possam ser absorvidas pelo ocidente sem necessário questionamento e adaptação.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
GIBNEY, Frank. Milagre Bem Planejado. São Paulo: Record, 1982.
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
RATTNER, Henrique. Política Industrial no Japão: tendências e perspectivas. 1987. 33 p. Texto de discussão 01/87, Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo. 

28 de out. de 2012

Do Surgimento do "Sistema Toyota de Produção"


A partir do período conhecido como “Restauração Meiji” (reinado do imperador Mutsuhito, 1868 a 1912), foram realizadas reformas que permitiram ao Japão registrar um progresso industrial constante. Mas o término da II Guerra Mundial deixou o país em grave situação, com a economia praticamente destruída, além de moralmente abalado pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki.
Para evitar maior influência de ideologia de países socialistas e assegurar seu domínio na região, foi decisivo o investimento americano na recuperação do Japão.
Pelos padrões dos anos 90, o Plano Marshall gastou muito pouco dinheiro e com parcimônia. O Plano foi liberal em suporte técnico e consultoria, mas deu dinheiro apenas como ‘semente’ a empresas que tivessem um histórico convincente e apresentassem um plano realista, com metas claras de desempenho. E tanto o suporte como o dinheiro eram retirados no momento em que a empresa – fosse ela privada ou do governo – desviasse dinheiro do plano acertado ou deixasse de atingir as metas prefixadas de desempenho. (Drucker, 1999, p. 261)
Esse processo acabou gerando um aprimoramento no desenvolvimento econômico japonês como ainda não se havia verificado, embora não suprisse as grandes dificuldades de um país derrotado, destruído e carente de matérias-primas e de infraestrutura industrial.
(...) houve o efeito, menos mensurável, mas ainda assim imenso, da contribuição americana, da inovação americana, do otimismo americano sobre o pensamento dos japoneses, dos empresários em particular. A "democratização" do país por iniciativa americana serviu para ventilar o mundo fechado do capitalismo japonês e de práticas apenas semidemocráticas. Impôs aos japoneses – dizem alguns que restaurou neles – um senso de mais amplas liberdades e horizontes mais largos. O direito de voto parcial transformou-se em sufrágio universal; o Judiciário semi-independente adquiriu independência completa;  um movimento sindical que existia apenas no nome e na memória tornou-se de fato uma poderosa força econômica e social. Na verdade, a Ocupação transformou-se na segunda fase da Restauração Meiji, de 1868. (Gibney, 1982, p. 33)
É diante desse cenário de reconstrução, mas de carência de recursos e tecnologia, que, após uma prolongada greve em 1949, o engenheiro  Eiji Toyoda,  segunda  geração da família fundadora da Toyota Motor Company, fez uma peregrinação de três meses à maior planta da Ford Motor Company nos EUA, onde começou a visualizar as primeiras ideias sobre o aprimoramento dos métodos de produção para a realidade de seu país.
A necessidade de remodelação industrial do Japão ficou clara não só pela destruição causada pela II Guerra, mas também diante da constatação que os produtos japoneses não apresentavam qualidade suficiente para competição no mercado externo. Os estudos de Toyoda visavam a busca de soluções em unidades mais desenvolvidas (em 1950, a fábrica da Ford em Rouge fabricava por dia mais que o dobro da produção da Toyota em um ano) e acabaram levando à necessárias adaptações para a realidade japonesa, onde as técnicas de produção teriam que propiciar bons resultados com o menor investimento possível.
Nesse sentido, foi decisivamente importante a atuação de Taiichi Ohno, um dos principais engenheiros de produção da Toyota, que acreditava que nos momentos de dificuldade os seres humanos (e as empresas) se esforçam para encontrar as melhores soluções e acabam conseguindo (melhoria contínua).


Michael Porter assim considerou esse fenômeno, de transformação de um ambiente de dificuldades em vantagem competitiva:
Implícito na tão repetida afirmação dos japoneses de que "Somos um país insular, sem recursos naturais" encontra-se o reconhecimento de que essas deficiências apenas serviram para incitar nele a inovação competitiva. A produção just-in-time, por exemplo, economizou espaços de custos proibitivos. Os produtores de aço italianos na área de Brescia enfrentaram um  conjunto semelhante de desvantagens: altos custos de capital, altos custos de energia e inexistência de matérias-primas locais. Situadas no norte da Lombardia, essas empresas de capital fechado se defrontavam com custos de logística estarrecedores, devido à distância dos portos do sul e às ineficiências do sistema de transporte estatal da Itália. O resultado: essas empresas foram as pioneiras em mini-usinas tecnologicamente avançadas, que exigem investimentos de capital modestos, consomem menos energia, utilizam sucata de metal como matéria-prima básica, são eficientes em pequena escala e possibilitam a localização dos produtores próximos às fontes de sucata e aos clientes finais. Em outras palavras, convertem desvantagens de fatores em vantagem competitiva. (Porter, 1999, p. 185)
As observações de Ohno junto ao sistema de produção em grandes lotes da indústria americana levaram a importantes reformulações no processo produtivo da indústria automobilística, em muito auxiliando na alavancagem e recuperação do Japão, sendo difundidas para outros países nas décadas seguintes. Exemplo disso é a questão da troca de moldes das prensas de chapas na fabricação de veículos. A Toyota não podia se dar ao luxo de perder todo um dia de trabalho de profissionais especializados para trocar e alinhar o molde em uma prensa. Nem mesmo poderia ter várias prensas especializadas em determinadas peças. Assim, a necessidade de adaptar a produção à realidade japonesa acabou resultando em descobertas que foram decisivas ao aprimoramento das técnicas existentes:
Sua ideia era desenvolver técnicas simples de trocas de moldes, e trocá-los com frequência – a cada duas ou três horas, e não a cada dois ou três meses – usando carrinhos, para trazer os moldes para suas posições e tirá-los, e mecanismos de ajuste simples. Porque as novas técnicas eram fáceis de dominar e como os trabalhadores da produção ficavam ociosos durante a troca de moldes, Ohno teve a idéia de deixar que eles executassem também as trocas de moldes.
Adquirindo um pequeno número de prensas norte-americanas de segunda mão e fazendo exaustivas experiências com elas, a partir do final dos anos 40, Ohno acabou aperfeiçoando sua técnica de troca rápida. No final da década de 1950, ele havia reduzido o tempo necessário para trocar moldes de um dia para surpreendentes três minutos, e eliminado a necessidade de especialistas na troca de moldes. No processo, fez uma descoberta inesperada: o custo por peça prensada era menor na produção de pequenos lotes do que no processamento  de lotes imensos. (Womack, Jones, 1992, p. 43)
Produzir em pequenos lotes maximizando o uso dos equipamentos, diminuir os tempos de setup e eliminar os tempos perdidos em atividades auxiliares do processo produtivo implicava em redução de estoques e, por conseguinte, menor custo financeiro. Também os tempos de retrabalho para corrigir peças defeituosas no final do processo produtivo deveriam ser extintos e a linha de produção teria que resolver os problemas quando eles acontecessem (e não apenas na inspeção final). Mesmo o tempo de engenharia dos produtos (particularmente alto nas empresas automobilísticas, dada a complexidade dos projetos) deveria ser reduzido.
Também era essencial a coordenação de fornecedores, formando uma cadeia de fornecimento de peças com prazos determinados, com o menor custo e a maior qualidade possível. Sem essa interação com fornecedores, a produção com menor estoque não se mostraria viável.
Adaptar as estruturas de produção, gerenciamento e coordenação, com base nesses fundamentos, constituiu um imenso esforço que durou cerca de duas décadas. Mas tal foi decisivo quando, em 1973, o choque na oferta de petróleo, promovido pelos países produtores da OPEP, gerou expressiva alta no preço do combustível. Esse cenário tornou ainda mais viáveis os carros japoneses, econômicos e agora com qualidade, que se tornaram imbatíveis frente os grandes e pouco econômicos carros americanos. Também a produção flexível da indústria automobilística japonesa permitiu uma adequação mais rápida às mudanças de mercado, chegando a um estágio de diferenças marcantes:
(...) o sistema de produção flexível da Toyota e sua habilidade em reduzir custos de engenharia de produção permitiram à companhia suprir a variedade de produtos exigidas pelos compradores sem custos elevados. Em 1990, a Toyota oferecia aos consumidores de todo o mundo tantos produtos quanto a General Motors, ainda que tenha metade do tamanho desta. A mudança da produção e das especificações dos modelos custa, nas firmas de produção em massa, uma fábula. Em contraposição, um proeminente produtor enxuto, como a Toyota, necessita de metade do tempo e trabalho de um produtor em massa como a GM, para projetar um novo modelo. Assim sendo, a Toyota pode oferecer duas vezes mais veículos com o mesmo orçamento para desenvolvê-los. (Womack, Jones, 1992, p. 55)
Por fim, não se pode deixar de destacar o papel de Edward Deming no processo de remodelagem industrial do Japão no pós-Guerra. Suas ideias sobre a necessidade de controles estatísticos para a manutenção da qualidade em plantas fabris inicialmente não tiveram grande difusão em seu país de origem, EUA, onde a questão da qualidade era encarada como obviedade. No Japão, porém, dada a constatação da inferioridade dos produtos locais e a necessidade de ganhos de competitividade, tratava-se de uma questão de sobrevivência.
  
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
DRUCKER, Peter. Administrando em Tempos de Grandes Mudanças. São Paulo: Pioneiras, 1999.
GIBNEY, Frank. Milagre Bem Planejado. São Paulo: Record, 1982.
PORTER, Michael. Competição. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
WOMACK, James P., JONES, Daniel T., ROOS, Daniel. A Máquina Que Mudou o Mundo. 11° ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 

13 de out. de 2012

Competição, Segundo Michael Porter


Diante dos ataques contra a falta de sustentabilidade de sua teoria de estratégias competitivas (apresentada em outro artigo, ver aqui), Michael Porter enfatiza, principalmente em seu livro "Competição" ("On Competition"), a importância da definição de um posicionamento estratégico, como requisito para se atingir vantagem competitiva duradoura.
O posicionamento – que já se situou no cerne da estratégia – tem sido rejeitado como algo excessivamente estático para os mercados dinâmicos e para as tecnologias em transformação da atualidade. De acordo com o novo dogma, os rivais são capazes de copiar com rapidez qualquer posição de mercado, e a vantagem competitiva é, na melhor das hipóteses, uma situação temporária.
Mas essas crenças são meias verdades perigosas e estão levando um número crescente de empresas para as vertentes da competição  mutuamente destrutiva. Sem dúvida, algumas barreiras da competição estão  desmoronando, com a atenuação da regulamentação e com a globalização dos mercados. É verdade que as empresas investiram energias, de forma adequada, para se tornarem mais esbeltas e ágeis. No entanto, em vários setores, o que muitos denominam hipercompetição não passa de autoflagelação, em vez do resultado inevitável da mudança nos paradigmas da competição. (Porter, 1999)
Porter destaca o acirramento da concorrência diante da difusão de práticas de eficácia operacional, onde as vantagens competitivas são instáveis e provisórias. Defende a importância de definição de uma estratégia de posicionamento no mercado, onde a organização possa efetivamente auferir vantagens competitivas sustentáveis.
Para tal, se faz necessário o entendimento que eficácia operacional não é estratégia, mas apenas um importante pressuposto no desempenho eficiente da organização, de acordo com o grau de efetividade tecnológica e gerencial de seu setor.
Porter define, então, o conceito de fronteira da produtividade, que delimitaria o estado de efetividade operacional em determinado setor. A linha demarcatória na figura seguinte representa o ponto de máxima efetividade no fornecimento de um produto ou serviço que qualquer empresa de um dado setor poderia disponibilizar ao mercado, dados os recursos disponíveis (tecnologia, insumos, prática gerencial, etc.). Com o desenvolvimento econômico, a fronteira da produtividade tende a se expandir (mover para direita, no gráfico). Esse movimento vem se realizando progressivamente em virtude da evolução tecnológica e da difusão das práticas gerenciais. Nesse movimento de expansão da fronteira, a melhoria da efetividade operacional não se dá de forma restrita e localizada, mas num processo de difusão, readequação e disseminação que resulta na transformação de várias práticas arraigadas, levando a uma situação de dinamismo que vem propiciar nova expansão da fronteira.
À medida que se movimentam em direção à fronteira, as empresas muitas vezes são capazes de melhorar, ao mesmo tempo, múltiplas dimensões do desempenho. Por exemplo, os fabricantes que adotaram a prática japonesa de conversões rápidas, nos anos 80, foram capazes de, simultaneamente, reduzir os custos e ampliar a diferenciação. Aspectos que já foram considerados verdadeiras opções excludentes – como nível de defeitos e custos, por exemplo – se revelaram ilusões decorrentes de deficiências na eficácia operacional. Os gerentes aprenderam a rejeitar essas falsas opções excludentes. (Porter, 1999, p. 49-50)


Embora não se possa negar, em termos gerais, a melhoria no desenvolvimento tecnológico e seu impacto nas atividades empresariais, Porter argumenta que, por si só, o investimento em melhores práticas em nada vem contribuindo em termos de resultados para as organizações. Os ganhos que deveriam ser auferidos pelas organizações, mais enxutas e eficientes, acabam sendo transferidos para fornecedores e clientes. Disso resulta uma situação aparentemente ambígua, onde o desenvolvimento tecnológico e operacional é verificado em concomitância à redução no retorno dos investimentos.
O constante aprimoramento da eficácia operacional é imprescindível para a consecução da rentabilidade superior. No entanto, em geral, não é o bastante. Com base apenas na eficácia operacional, poucas empresas  competem com êxito durante períodos mais prolongados, enfrentando dificuldades cada vez maiores em manter-se à frente dos rivais. A causa mais óbvia desta situação é a rápida proliferação de práticas melhores. Os concorrentes conseguem imitar com rapidez as técnicas gerenciais, as novas tecnologias, as melhorias nos insumos e as formas superiores de atender às necessidades dos clientes. As soluções mais genéricas – aquelas utilizáveis em vários ambientes – são as de mais rápida difusão. Veja a disseminação das técnicas de EO [Eficácia Operacional], acelerada pelo apoio das consultorias. (Porter, 1999, p. 50)
No limite desse processo chega-se a uma situação de commoditização de produtos, serviços e também de processos. Apesar dos produtos serem disponibilizados com maior eficiência e qualidade, os rendimentos são decrescentes. Dessa forma é intensificado o movimento de fusões e aquisições. Sem fôlego para sustentar a pressão competitiva, resta aos participantes do setor procurar diminuir o número de concorrentes e auferir maiores ganhos resultantes de economia de escala. Porém, isso não significa a resolução do problema, apenas a postergação para um cenário com menor número de concorrentes e maiores estruturas, onde  fatores de entorno (como legislação e políticas públicas) terão um maior impacto frente o ambiente de atuação das organizações.
Entendo que essa reformulação teórica proposta por Porter acaba por desautorizar a teoria das estratégias competitivas genéricas. O cenário que o próprio autor enfatiza, como decorrente da ausência de estratégias, pode ser entendido como consequência da opção por uma das três estratégias genéricas que defende (liderança em custo, diferenciação e enfoque). Afinal, a simples escolha de uma estratégia genérica é algo que pode ser suplantado por concorrentes mais eficientes seguindo o mesmo tipo de estratégia. É preciso algo mais.
Após uma década de ganhos impressionantes na eficácia operacional, muitas empresas estão enfrentando retornos decrescentes. A melhoria contínua foi  incutida nos cérebros dos gerentes. Mas, de modo inadvertido, as ferramentas estão arrastando as empresas em direção à imitação e à homogeneidade. Gradualmente, os gerentes permitiram que a eficácia operacional suplantasse a estratégia. O resultado é uma competição de soma zero, com preços estratégicos ou declinantes e pressões de custo que comprometem a capacidade das empresas de investir no longo prazo do negócio. (Porter, 1999, p. 52)
Portanto, para fugir desse ciclo, Porter defende que as empresas devem considerar a efetividade operacional como pressuposto, e não fim, de sua estratégia de atuação. Essa percepção acaba por tornar mais importante o planejamento estratégico, prática que tem muitas restrições em sua efetividade, diante da mudança constante de cenários e disponibilidade de informações. Além disso, historicamente o planejamento estratégico apresenta efetividade contestável na prática da administração, embora sua necessidade seja sempre reconhecida.
Isto posto, Porter apresenta um modelo pelo qual a estratégia se define pela análise da adequação da estrutura operacional da organização ao mercado no qual pretende atuar. Nesse processo, a organização faz trade-offs, isto é, seleciona seu escopo de atuação, com o qual passa a concentrar suas forças, em detrimento de outros nichos de mercado com o qual sua propensão a gerar vantagens competitivas seria menor.
Assim, a vantagem competitiva advém não mais da concentração em torno de atividade-fim, como levava a pressupor o modelo das estratégias genéricas, mas sim da interação das várias atividades da organização e da sinergia entre elas, num modelo onde cada uma dessas atividades constituiu um elemento essencial para o todo. Dessa forma, maiores retornos são obtidos pelo fato de ser muito difícil, ou quase impossível, aos concorrentes copiar totalmente o sistema de atuação de uma organização - e embora alguns elementos possam de fato serem copiados, a diferenciação continua, já que a eficiência da organização em atender seu mercado é dada pela composição da interação dessas atividades particulares. Como exemplo, a figura a seguir apresenta o mapeamento do sistema de atividades do varejista de móveis Ikea:


Nessa concepção de estratégia competitiva, Porter ainda distingue três formas básicas de atuação: (1) o posicionamento baseado na variedade, (2) o baseado nas necessidades e (3) o posicionamento baseado no acesso.
Posicionamento baseado na variedade diz respeito à oferta de variedade de produtos e serviços. Os produtos oferecidos pela organização têm um caráter de uso mais geral por parte dos consumidores, não correspondendo de fato ao atendimento de todas as suas necessidades específicas. Cita como exemplos uma empresa especializada em lubrificação de automóveis (Jiffy Lube) e outra que se concentra em investimentos financeiros variáveis, com base no menor risco e baixo custo (Vanguard Group).
Já o posicionamento baseado nas necessidades diz respeito à concentração de esforços tendo como objetivo um determinado segmento de mercado:
Surge quando há um grupo de clientes com necessidades diferenciadas e quando um conjunto de atividades sob medida é capaz de satisfazer melhor a essas necessidades. Alguns grupos são mais sensíveis ao preço que outros, demandam diferentes características de produtos e necessitam de quantidades variáveis de informações, suporte e serviços. Os clientes da Ikea são um bom exemplo de um desses grupos. A Ikea procura satisfazer à totalidade das necessidades de mobílias domésticas dos clientes-alvo, e não apenas a um subconjunto dessas necessidades. (Porter, 1991, p. 60)
O posicionamento baseado no acesso constitui casos menos comuns, onde a oferta do produto ao cliente sofre restrições de acesso, causada, por exemplo, devido a fatores geográficos ou do porte do cliente (Porter cita o exemplo da Carmike Cinemas, que só administra cinemas em cidades inferiores a 20.000 habitantes).
Necessário frisar que, em qualquer das modalidades, a configuração do melhor sistema de atividades (como exposto no exemplo da figura 2) mostra-se essencial para se alcançar vantagens competitivas e, por conseguinte, retornos sustentáveis para manutenção e evolução do negócio. Com base nessa análise, Porter define o conceito de estratégia:
“O que é Estratégia?” Estratégia é criar uma posição exclusiva e valiosa, envolvendo um diferente conjunto de atividades. Se houvesse apenas uma única posição ideal, não haveria necessidade de estratégia. As empresas enfrentariam um imperativo simples – ganhar a corrida para descobrir e se apropriar da posição única. A essência do posicionamento estratégico consiste em escolher atividades diferentes daquelas dos rivais. Se os mesmos conjuntos de atividades fossem os melhores para produzir todas as variedades de produtos, para satisfazer a todas as necessidades e para ter acesso a totalidade dos clientes, as empresas simplesmente se alternariam entre eles e a eficácia operacional determinaria o desempenho. (Porter, 1999, p. 63)
Diante dessa definição, Porter defende que o modelo de estratégias genéricas não deve ser abandonado, sendo que o novo modelo com critérios de posicionamento vem a incrementar os pontos falhos daquele: “Os critérios de posicionamento – variedades, necessidades e acesso – erguem a compreensão das estratégias genéricas para um nível mais elevado de especificidade.” (Porter, 1999, p. 63)
Entendo, porém, que a nova análise de Porter torna desnecessário o modelo anterior, de vantagens competitivas genéricas. Estratégia, no contexto de posicionamento de mercado, é modelo explicativo superior e não depende da prévia adoção de uma estratégia genérica, muito menos de planejamento estratégico formal, pois explica o sucesso de uma organização diante da adequação da interação de suas atividades junto às demandas de mercado, o que está mais de acordo com o observado na realidade empresarial.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
Porter, Michael. Competição. Rio de Janeiro: Campus, 1999.


28 de set. de 2012

Contestação ao Modelo de Estratégias Competitivas Genéricas


De acordo com o modelo de estratégias competitivas proposto por Michael Porter, para obter vantagens competitivas permanentes as empresas devem adotar um dos seguintes posicionamentos: diferenciação, enfoque ou liderança de custo (já tratado em outro texto - ver aqui).


Não obstante, a observação de casos reais colocou em xeque a real necessidade de se adotar apenas uma dessas estratégias, em detrimento das demais.
A partir da década de 1980, algumas empresas mostraram ser possível obter uma posição de destaque e rentabilidade adotando estratégias que seriam consideradas incompatíveis, o que corresponderia ao problema de falta de foco ("meio termo") indicado por Porter:
O principal motivo pelo qual as idéias de Porter não funcionaram é que algumas empresas simplesmente se recusaram a seguir suas regras. Ao longo da década de 80, enquanto Porter continuava aperfeiçoando suas idéias, muitas empresas japonesas, e algumas estrelas ascendentes norte-americanas, como a Wal-Mart, fizeram o que Porter considerava impossível: adotaram as estratégias de baixo custo e diferenciação ao mesmo tempo. Ficaram presas no meio-termo, como diria Porter; no entanto, não só sobreviveram como também prosperaram. Ficou óbvio para o mundo empresarial norte-americano que a teoria de Porter não mais correspondia à realidade. (Boyett, 1999, p. 202)
Micklethwait e Wooldridge observaram que a falta de foco em uma estratégia competitiva ia mais além, posto que empresas conseguiam sucesso simplesmente sem contar com nenhum planejamento estratégico formal.
Não só os japoneses combinaram as coisas que Porter considerava incompatíveis como também o fizeram sem  se dar ao trabalho de preparar planos estratégicos. O vício norte-americano do planejamento empresarial pareceu a pensadores japoneses como Kanichi Ohmar uma versão para o setor privado do vício soviético ao planejamento central (...) Robert Hayes observou que muitos gerentes de linha consideravam o planejamento estratégico um impedimento à boa gerência. Amir Bhide observou que dois terços dos fundadores de empresas de rápido crescimento que ele havia entrevistado tinham iniciado suas empresas com planos de negócios informais ou simplesmente sem plano algum.  (Micklethwait, Wooldridge, 1198, p. 117)
O conceito de planejamento estratégico perdeu destaque no início da década de 1990 diante do modismo do downsizing, até se verificar que simplesmente fazer reengenharia e cortar o máximo de funções "não essenciais" numa organização, além de não lhe propiciar maior competitividade, poderia resultar em sérios danos em seu conhecimento tácito. Mas mesmo tal constatação não significou o recrudescimento da prática de planejamento estratégico, muito menos a confirmação de sua efetividade.
De fato, por si só, o modelo de estratégias genéricas apresenta uma contradição inerente: se todas as empresas adotarem uma estratégia genérica, haverá tendência a um equilíbrio não dinâmico, uma mera delimitação de mercado entre os participantes. Se o modelo de estratégia genérica se constituísse como única alternativa para inserção no mercado, as forças econômicas teriam uma conotação quase que exclusivamente política, referente à manutenção da ordem em seu setor de atuação. Somente choques externos poderiam colocar o equilíbrio de mercado à prova.
Não é esse, porém, o verdadeiro espírito da competição entre empresas no sistema capitalista, como bem observou Joseph Schumpeter ao definir o conceito de "destruição criativa". Se existe um modelo genérico para se atingir o sucesso num mercado competitivo, com sua difusão é de se esperar que as empresas busquem alternativas a esses modelo, de forma a se diferenciarem dos concorrentes e conseguirem uma maior rentabilidade - e esse é o sentido da inovação.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
BOYETT, Joseph, BOYETT, Jimmie. O Guia Dos Gurus. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos Da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998. 

24 de set. de 2012

O Modelo Genérico Das Estratégias Competitivas Genéricas


O sucesso alcançado por Michael Porter com seu modelo de estratégias genéricas (já tratado em outro texto - ver aqui) inspirou outros autores em administração, como Michael Treacey e Fred Wiersema.
Particularmente no caso desses dois autores, houve grande polêmica em torno de seu livro "A Disciplina dos Líderes de Mercado", cujo sucesso foi em parte atribuído à promoção com práticas desonestas - esquema de compras intermediadas em diferentes livrarias junto à consultoria CSC Index, à qual os autores estavam ligados.


Treacey e Wiersema defendem que as empresas devem seguir "disciplinas de valor" para atingir e manter um posicionamento competitivo sustentável. E essas disciplinas, de maneira muito similar ao modelo de Porter, seriam: a excelência operacional, a liderança em produtos e a intimidade com o cliente.
A excelência operacional está ligada à capacidade da organização em aplicar seus recursos da maneira eficiente, valendo-se para isso de uma estrutura enxuta e padronizada, dando ênfase menor à variedade e personalização de produtos e serviços:
(...) As empresas que a buscam não são basicamente inovadoras em produtos ou serviços, nem cultivam relacionamentos profundos e individuais com seus clientes. Em vez disso, as empresas operacionalmente excelentes oferecem produtos médios em relação ao mercado ao melhor preço, com o mínimo de inconveniência. Sua proposição aos clientes é simples: preço baixo e atendimento sem discussões. A Wal-Mart é típica desta espécie de empresa, com sua abordagem ao varejo de massa sem supérfluos. (Treacey, Wiersema, 1998, p. 13)
Já nas empresas com estratégia de liderança de produto o foco de atuação é a tensão criativa na busca por mudanças, por novos e melhores produtos. “Seus praticantes se concentram em oferecer produtos que alargam as fronteiras do desempenho. Sua proposição aos clientes é a oferta do melhor produto, e ponto final. (Treacey, Wiersema, 1998, p. 13)
De outro lado, as empresas com estratégia de intimidade com o cliente assumem uma postura essencialmente igual à descrita por Michael Porter como estratégia de enfoque:
(...) Seus partidários focalizam não a entrega daquilo que o mercado deseja, mas daquilo que clientes específicos desejam. As empresas íntimas com clientes não buscam transações únicas; elas cultivam relacionamentos. Elas se especializam em satisfazer necessidades únicas que, com frequência, somente elas reconhecem, em virtude do seu relacionamento íntimo com o cliente. Sua proposição ao cliente é a seguinte: Temos a melhor solução para você – e provemos todo o suporte de que necessita para atingir resultados e/ou valor ótimos com qualquer produto que comprar. (Treacey, Wiersema, 1998, p. 14)
Por fim, assim como Porter, os autores argumentam sobre o risco do meio termo, quando a organização não assume especificamente uma das disciplinas de valor e acaba adotando modelos híbridos, com falta de direcionamento, descontrole, perda de oportunidades e má aplicação de recursos.
Não verifico originalidade na proposta desses autores. Não me parecem acrescentar qualquer conhecimento novo, apenas adotam uma diferente terminologia para tratar das mesmas questões já propostas por Michael Porter. Sendo assim, é surpreendente que Philip Kotler, conhecido especialista em marketing, tenha considerado os pontos de vista de Treacey e Wiersema como superiores e adotado tal perspectiva em seu trabalho.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
TREACEY, Michael, WIERSEMA, Fred. A Disciplina Dos Líderes de Mercado. 3. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.