O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) é uma alternativa importante de concessão de benefícios que são valorizados pelos contratados e não se refletem em encargos trabalhistas.
No entanto, ainda existem controvérsias a respeito, principalmente em decorrência de questões legais que precisam ser consideradas para que esse benefício se mostre efetivo.
A seguir são apresentados aspectos relevantes para empresas que estejam cogitando a implantação desse tipo de programa, bem como para verificação de riscos por parte daquelas que já concedam alguma espécie desse benefício.
I. Critérios Para Fornecimento de Benefícios de Alimentação
A concessão de alimentação é particularmente interessante, pois cria uma grande conveniência aos contratados.
Por exemplo, há empresas que conseguiram ótimos resultados em termos de motivação depois que passaram a oferecer café da manhã. E não há porque economizar nisso - oferecer café ilimitado e dois pães com manteiga, queijo e presunto irá satisfazer bastante, principalmente quem lida com trabalhos manuais.
Também se verificam casos onde a concessão de cestas básicas se mostrou muito positiva. Tal questão é muito valorizada principalmente na casa do trabalhador, já que é um recurso que ele não pode desviar da família com bebidas, jogos e gastos supérfluos.
Por outro lado, tenho conhecimento de empresa que ofereceu almoço e não teve um resultado tão bom, verificando constante desperdício de comida de boa qualidade.
De qualquer modo, a questão de fornecimento de alimentação, seja café da manhã, lanche, almoço, tíquete refeição, cesta básica, convênio com restaurante, etc., precisa ser avaliada com cuidado, tanto em termos de impacto na produtividade e moral dos empregados, quanto em termos legais. Afinal, uma concessão de benefício não estabelecida corretamente pode implicar em reflexos salariais, com todos os encargos trabalhistas correspondentes, nos termos do art. 458 da CLT1, tornando muito cara sua concessão.
Para evitar problemas legais, o oferecimento de programas de alimentação deve levar em conta as regras do PAT (disciplinado na lei 6.321/76 e regulamentado pelo decreto 05/1991). A empresa precisa, obrigatoriamente, estar inscrita no programa (via Ministério do Trabalho e Emprego), como requisito essencial para que a concessão de alimentação não seja considerada salário, o que acarretaria nos respectivos reflexos em encargos trabalhistas2. Outra vantagem é que há desconto no Imposto de Renda das despesas correspondentes ao programa de alimentação3.
A inscrição no PAT permite à empresa a concessão do benefício de alimentação em qualquer modalidade (tíquete, cesta, almoço, etc.) - exceto dinheiro -, podendo ainda descontar do salário do trabalhador até 20% do valor do benefício4. Esse é um aspecto a ser avaliado em cada caso: em algumas situações, o desconto cria insatisfação; em outras é necessário para que o benefício seja devidamente valorizado. Outra questão importante é que o fornecedor da refeição, cesta, tíquete, etc., a exemplo da empresa, também deve estar obrigatoriamente cadastrado no PAT.
Porém, uma vez concedido o benefício, pode ser obstado seu eventual cancelamento no futuro, diante do art. 468 da CLT5. E também é regra do PAT que todos os empregados devem ser igualmente beneficiados (pelo menos aqueles que recebem até 5 salários mínimos6).
Por isso, se possível evitar, não é aconselhável a concessão de benefícios de elaboração mais complexa, como oferecer almoço preparado na empresa, já que isso implica custos extras de compra de alimentos diversificados, supervisão de nutricionista, etc.
II. O Problema da Gratificação Por Assiduidade
O fornecimento de alimentação (com inscrição no PAT) é um forma de aumentar o salário sem o ônus dos correspondentes encargos trabalhistas. Essa é a grande vantagem do programa, principalmente se o empregado valoriza o benefício.
Maior divergência existe quando se tenta usar a concessão de alimentos como prêmio, que é o caso particular da concessão de cestas básicas - também é o caso de outros programas, mas usarei a concessão de cesta básica como exemplo por já ter verificado sua aplicação e resultados práticos, além de ser um benefício indicado como o preferido pelos trabalhadores (mais até que plano de saúde).
Já observei situações de sucesso onde a empresa passou a conceder cesta básica aos funcionários que não faltavam no mês (salvo faltas previstas em lei ou por motivo de força maior). O impacto verificado foi uma redução no absenteísmo, já que as próprias famílias passaram a cobrar dos trabalhadores para que não faltassem ao trabalho (como dito antes, a cesta básica é um recurso que ninguém pode desviar para comprar bebida, cigarro, gastar em jogos e outros supérfluos). Além disso, conforme quantidade, a empresa tem condições de comprar os produtos da cesta básica por valor menor que se o empregado os adquirisse diretamente (ou seja, há um ganho implícito na renda do trabalhador).
Também verifiquei, porém, um problema: ao faltar no mês e perder o direito à cesta básica, o trabalhador ficava desmotivado e passava a faltar novamente, apesar do desconto no salário. Comumente se justificava alegando que "já tinha perdido a cesta mesmo". Para combater isso, há relatos de empresas que instituíram duas cestas básicas: uma normal, entregue a todos, e uma vip, para aqueles que não faltavam no mês.
A grande questão é que a lei 6.321/76 é omissa quanto à possibilidade de usar a concessão de alimentos como prêmio de gratificação. Sabemos que, se não há inscrição no PAT, qualquer concessão de alimentação acaba se agregando ao salário, com todos seus encargos. Mas, se há inscrição no PAT, faz sentido que a empresa seja proibida de usar a concessão de alimentos como prêmio, complementando o salário por merecimento, seja com base na assiduidade, produtividade ou outro critério?
Embora a lei 6.321/76 nada mencione a respeito, e nada também seja esclarecido pelo decreto 05/1991 (que deve apenas regular o que foi dito na lei), existe uma portaria do Ministério do Trabalho que literalmente proíbe o uso do benefício concedido via PAT como forma de premiação7. Mas aí, porém, existe um problema, comum do Ministério do Trabalho, que é a pretensão de legislar, de se igualar ao Congresso Nacional. Jamais uma portaria, ou decreto, poderia estabelecer o que não foi previsto em lei.
Assim, criou-se uma situação de insegurança jurídica. A lei não estabelece regra contrária ao uso do PAT em programa de gratificação, mas os fiscais do Ministério do Trabalho podem entender diferentemente, com base na dita portaria. E quem garante que a Justiça do Trabalho não faria o mesmo? Afinal, as decisões são normalmente desarmônicas, indo ao encontro do entendimento e das vontades da cada juiz.
Para reduzir o problema, a solução é estabelecer um Acordo Coletivo com o sindicato da categoria (caso não exista norma prevista a respeito na Convenção Coletiva de Trabalho). Mas, dependendo do setor, o sindicato pode não aceitar. Aí seria necessário colocar a situação de forma clara para os trabalhadores e o sindicato, estabelecendo que a empresa concederia a cesta básica como prêmio por assiduidade (por exemplo), sem descontar nada (até porque, no caso de prêmio de assiduidade, não faz sentido qualquer desconto). Ou, se realmente for interesse da empresa estabelecer o programa, que conceda a cesta básica sem atrelar a nenhum critério, mas descontando o percentual de 20% permitido. E essa última opção pode ser seguida mesmo sem a existência de acordo coletivo, posto que disciplinada nos termos do PAT (também não existe lei estabelecendo a obrigatoriedade de Acordo ou Convenção Coletiva para adoção do PAT - mas cuidado se a Convenção Coletiva prever a obrigatoriedade de firmar acordo).
No entanto, mesmo com a existência de Acordo Coletivo, ainda não podemos dizer com certeza que não poderão ocorrer problemas com a Justiça do Trabalho. Os funcionários que saírem da empresa vão acabar questionando a não concessão de cestas nos períodos que faltaram (em caso de concessão vinculada à assiduidade), vão questionar o desconto de 20% (se for o caso) e seus advogados ainda irão pleitear que as cestas sejam consideradas como salário, com todos os reflexos de encargos trabalhistas.
Por isso, é importante que a empresa mantenha toda documentação legal referente ao benefício (notas fiscais, documentos de cadastro dos fornecedores no PAT e listas assinadas de distribuição de cestas básicas com a respectiva data). Mesmo uma decisão contrária poderia ser revertida diante das regras do PAT.
III. Mais Controvérsia
Outra questão controversa seria a não concessão de tíquete alimentação para os dias que o empregado faltar ao trabalho.
Fazendo-se um paralelo com a concessão de vale transporte, parece uma medida justa. Afinal, a empresa concede vale transporte para os dias que o empregado tem que comparecer ao trabalho, e não para fim de semana, feriados e dias que faltar.
Da mesma forma, concederia o tíquete alimentação como uma facilidade, uma praticidade para os dias que o empregado estiver trabalhando. Não seria para alimentação em fins de semana, feriados e dias que faltar.
Essa controvérsia, naturalmente, não existirá no caso de alimentação fornecida diretamente no estabelecimento da empresa (café da manhã, almoço, etc.). Afinal, se a alimentação é oferecida no trabalho, não tem como recebê-la quem não está trabalhando.
IV. Conclusão
A experiência prática mostra o grande potencial do uso de benefícios como forma de diminuir o absenteísmo e incentivar a produtividade.
No entanto, diante da má aplicação do instituto por parte de algumas empresas, e diante da insegurança jurídica causada pelo Ministério do Trabalho (que pretende legislar) e pela Justiça do Trabalho (onde há grande controvérsia e disparidade de decisões, inclusive em desrespeito ao estabelecido em lei), acaba-se desmerecendo um recurso precioso de estímulo ao trabalho e ao desenvolvimento econômico. E é a sociedade que, indiretamente, termina pagando pela baixa produtividade nas empresas, pelo custo do absenteísmo.
Por isso, para implantação desse benefício, algumas questões importantes precisam ser consideradas:
Em primeiro lugar, é imprescindível a regular inscrição da empresa, e de seus fornecedores de alimentos, junto ao PAT, sob pena de o benefício ser incorporado ao salário, com todos os respectivos reflexos de encargos trabalhistas. Exemplo de condenação por falta dessa inscrição é a decisão abaixo:
Processo: RR 568008220055090653 56800-82.2005.5.09.0653
Relator(a): Márcio Eurico Vitral Amaro
Julgamento: 13/05/2009
Órgão Julgador: 8ª Turma,
Publicação: 15/05/2009
Ementa
(...)
PRÊMIO ASSIDUIDADE. CESTA BÁSICA. HABITUALIDADE. NATUREZA SALARIAL.
O fato de ser a cesta básica condicionada à assiduidade do empregado não descaracteriza, por si só, a sua natureza salarial. Em face da sua habitualidade, a vantagem integra o salário para todos os efeitos legais, nos termos do § 1º do art. 457 da CLT. Recurso de Revista conhecido mas desprovido.
Além disso, caso a opção seja usar o benefício de alimentação como prêmio de assiduidade (o que particularmente acontece no caso das cestas básicas), é imprescindível que haja Convenção ou Acordo Coletivo, firmado junto ao sindicato dos representantes dos trabalhadores e assinado pela maioria dos funcionários. Isso estará de acordo com o art. 7, inciso XXVI, da Constituição Federal8, o que terá grande valia contra as regras de cunho legislatório pretendidas pelo Ministério do Trabalho. A esse respeito, as decisões abaixo consideram essa questão:
Processo: RO 365201004123004 MT 00365.2010.041.23.00-4
Relator(a): DESEMBARGADORA MARIA BERENICE
Julgamento: 30/03/2011
Órgão Julgador: 2ª Turma
Publicação: 11/04/2011
Ementa
(...)
INDENIZAÇÃO CESTAS BÁSICAS. NÃO-CONCESSÃO.
O instrumento coletivo faculta à 1ª Ré a entrega de cestas básicas. Cabia à Autora provar haver sido recusada pela empresa a entrega das referidas cestas, ante a afirmação de que deixava à disposição dos empregados que cumprissem o requisito assiduidade. Nega-se provimento.
Processo: AACC 149008220095240 MS 14900-82.2009.5.24.0
Relator(a): MARCIO V. THIBAU DE ALMEIDA
Julgamento: 15/10/2009
Publicação: DO/MS Nº 658 de 06/11/2009, pag.
Parte(s):Ministério Público Do Trabalho / Bmz Couros Ltda. / Sindicato Dos Trabalhadores Nas Indústrias De Curtimento De Couros E Peles E Artefatos De Couro Do Estado De Mato Grosso Do Sul
Ementa
AÇÃO ANULATÓRIA. CLÁUSULA CONVENCIONAL. CESTA BÁSICA PARA O EMPREGADO ASSÍDUO. VALIDADE.
A cláusula coletiva de trabalho que estipula o benefício da cesta básica para o empregado que apresentar até um atestado médico ao mês, em contrapartida à implantação do Banco de Horas e com vistas a retribuir o empregado assíduo durante 220 horas trabalhadas, reflete autêntica transação oriunda da vontade autônoma privada, com respaldo no art. 7º, XXIV, da CF. Ação admitida e julgada improcedente, por unanimidade.
Não obstante, é necessário ter muito cuidado com a concessão de qualquer benefício por liberalidade. Se a regra (em Acordo ou Convenção Coletiva) é a concessão em caso de não falta (prêmio pela assiduidade), que se estabeleça e respeite os critérios definidos. Caso contrário, eventualmente a Justiça do Trabalho irá considerar que os critérios não são válidos, já que não aplicados, e todos terão direito.
Também deve ser visto com cuidado o uso de soluções como dois tipos de cesta básica (normal e vip). Pode resultar em condenação para que todos recebam a cesta vip, inclusive retroativamente. Por isso, a questão tem que estar bem clara em Acordo ou Convenção Coletiva, inclusive discriminando os itens de cada cesta.
Imprescindível dizer que é de suma importância manter arquivo com toda documentação referente ao programa de alimentação (notas fiscais, comprovantes de cadastro, contratos, comprovantes de entrega do benefício, etc.). Certamente esse material será útil em processos trabalhistas, que, com certeza, existirão.
Além disso, a questão do desconto de 20% ao funcionário é algo que precisa ser considerado, no caso do benefício ser concedido sem nenhuma correspondência em termos de assiduidade e produtividade. O ser humano tende a não valorizar aquilo que recebe "de graça", sem correspondência a nenhum esforço.
Mas, se a empresa já paga salários acima da média de mercado, deve tomar ainda maior cuidado com a instituição desses benefícios. Afinal, pode acabar incorrendo em custos extras sem correspondente aumento na produtividade. E o benefício, uma vez instituído, dificilmente poderá ser cancelado.
...
1. Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 458. Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.
2. Lei 6.321/76:
Art 3º Não se inclui como salário de contribuição a parcela paga in natura, pela empresa, nos programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho.
Decreto 05/1991:
Art. 6° Nos Programas de Alimentação do Trabalhador (PAT), previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, a parcela paga in-natura pela empresa não tem natureza salarial, não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e nem se configura como rendimento tributável do trabalhador.
TST – Orientação Jurisprudencial nº 133:
A ajuda alimentação fornecida por empresa participante do programa de alimentação ao trabalhador, instituído pela Lei nº 6.321/76, não tem caráter salarial. Portanto, não integra o salário para nenhum efeito legal
3. Decreto 05/1991:
Art. 1° A pessoa jurídica poderá deduzir, do Imposto de Renda devido, valor equivalente à aplicação da alíquota cabível do Imposto de Renda sobre a soma das despesas de custeio realizadas, no período-base, em Programas de Alimentação do Trabalhador, previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social - MTPS, nos termos deste regulamento.
Art. 2 (...)
§ 3° As despesas de custeio admitidas na base de cálculo de incentivo são aquelas que vierem a constituir o custo direto e exclusivo do serviço de alimentação, podendo ser considerados, além da matéria-prima, mão-de-obra, encargos decorrentes de salários, asseio e os gastos de energia diretamente relacionados ao preparo e à distribuição das refeições.
4. Decreto 05/1991:
Art. 2 (...)
§ 1º A participação do trabalhador fica limitada a 20% (vinte por cento) do custo direto da refeição
5. Consolidação das Leis do Trabalho:
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
6. Lei 6.321/76:
Art 2º Os programas de alimentação a que se refere o artigo anterior deverão conferir prioridade ao atendimento dos trabalhadores de baixa renda e limitar-se-ão aos contratos pela pessoa jurídica beneficiária.
Decreto 05/1991:
Art. 2° Para os efeitos do art. 2° da Lei n° 6.321, de 14 de abril de 1976, os trabalhadores de renda mais elevada poderão ser incluídos no programa de alimentação, desde que esteja garantido o atendimento da totalidade dos trabalhadores contratados pela pessoa jurídica beneficiária que percebam até 5 (cinco) salários-mínimos.
7. Portaria MTE 03 de 01/03/2002:
Art. 6º É vedado à pessoa jurídica beneficiária:
I – suspender, reduzir ou suprimir o benefício do Programa a título de punição ao trabalhador;
II – utilizar o Programa, sob qualquer forma, como premiação;
8. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;