Quando, no século XIX, o cientista
político francês Alexis de Tocqueville deixou a França monárquica e foi para os
Estados Unidos, onde escreveu Democracia
na América, ele ficou impressionado com a liberdade institucional do país.
Era como se o cidadão americano fosse mais cidadão que o francês. Nem por isso,
porém, a sociedade americana deixava de ter sua hierarquia, regras, limites e
controles. Tocqueville observou: “Acredito
que a Liberdade seja menos necessária nas grandes do que nas pequenas coisas,
porque é nos detalhes que é perigoso desservir o homem. Significa contrariar o
tempo todo o indivíduo, irritá-lo e lembrá-lo a cada instante da sua condição.”1
Essa conclusão é de grande importância.
O cidadão americano não tinha liberdade para definir a política econômica, as
relações internacionais ou outras grandes questões do país. Nem devia esperar
isso. Porém o sistema lhe garantia liberdade e autonomia para trabalhar e
expressar sua opinião.
E o que aconteceria numa situação
contrária, onde o indivíduo é tolhido até nas pequenas coisas, não tem
autonomia nem liberdade de ação, não pode fazer questionamento, não tem opinião
relevante? Como a inquietação é inerente ao ser humano, desviaria sua energia
para ações de revolta, contestação, ou levaria o pensamento a ignorar o cotidiano
de sua realidade.
Essa é a situação do ambiente de
trabalho em muitas empresas e explica, pelo menos em parte, a existência de
funcionários desinteressados (que não têm iniciativa e só agem quando mandados),
o medo e a resistência frente a mudanças e novas situações, bem como a falta de
comprometimento com o trabalho. Ajuda a explicar também a existência de
gerentes superatarefados, presos aos processos e aos problemas do
dia-a-dia, eternamente frustrados e desapontados
por terem que verificar tudo enquanto os funcionários não colaboram, não tomam iniciativa mesmo
conhecendo a existência de desperdício e ineficiência no trabalho.
É possível mudar esse quadro?
Certamente que sim, mas não com base em fórmulas prontas, nem com imediatismo.
É preciso criar uma cultura nas relações de trabalho e as condições para sua
manutenção e aperfeiçoamento. Mas como são inúmeras as funções, as atividades,
as relações e interações nas organizações, e a compreensão humana tem muito de
subjetivo, essa tarefa é, antes de tudo, uma questão de atitude - de
discernimento e de ação.
A percepção da situação e a reflexão
sobre o tema são os primeiros passos para desencadear mudança em prol de
melhoria. Porém nenhum resultado consistente será alcançado sem a compreensão
que esse é um processo de aprendizado contínuo. E essa atitude deve partir dos
que têm poder de decisão, afinal os subordinados estão expostos à situação de
acomodamento e não teriam poder de desencadear uma ação diferente – qualquer
intervenção de um gerente mudaria tudo. Não é incomum o gerente que consegue
ter essa percepção, mas apenas cobra ação de seus subordinados, quando o ideal
seria atuar também junto à direção, repensando e implementando as condições
para melhores relações das pessoas com o trabalho – autonomia, responsabilidade
e avaliação das capacidades e potencialidades.
Nesse sentido, é preciso sair do modismo da qualidade, do discurso, e
entrar na atitude de qualidade,
pensando a organização como um todo. O filósofo alemão Immanuel Kant,
enfatizava a importância da atitude ao destacar o agir com coerência: “Age de tal modo que a máxima de tua vontade
possa sempre valer simultaneamente como princípio para uma legislação geral.”2
Não cabe à direção de uma organização
esperar que a sociedade se adeque para formação de indivíduos mais preparados,
que possam ser mais comprometidos com o trabalho (enquanto a tecnologia e o
mercado mudam em curto espaço de tempo, são necessário 20 anos para formação
básica de um indivíduo). Antes de tudo, é preciso assumir o compromisso e ter a
atitude para mudar a inércia organizacional.
Normalmente as empresas se escandalizam
quando mensuram prejuízo, ineficiência, aumento de desperdício. Mas não
percebem que, quando isso acontece, algo muito importante já foi desperdiçado:
o trabalho humano e sua potencialidade.
...
1. DE MASI, Domenico. O ócio criativo. 2000. p. 235.
2. AGUIAR, Maria A. F. Psicologia aplicada à administração.
1992. p. 24.