Certa vez, li o anúncio de uma empresa que ofertava
vaga para gerente financeiro. Eram relatados os requisitos do cargo, as
atividades principais e, ao final, era mencionado que se tratava de uma
"empresa evangélica" e o candidato deveria ter a mesma crença (não,
não era uma igreja, era uma empresa mesmo).
Fiquei boquiaberto. Que tipo de empresa seria essa?
Como seria o ambiente de trabalho? Decerto, pensei, deveria ser bem rígido,
restrito, alheio à diversidade, contrário às diferenças. Os empregados haveriam
de ter uma crença religiosa cega e limitadora, caso contrário estariam sujeitos
à demissão.
Certamente, indo em contrário a tudo que se apregoa
em administração, essa empresa não deveria ser um ambiente propício para
inovação. Não sendo um ambiente que propicie inovação, haveria de ser uma
empresa estática, sujeita a dificuldades para se adaptar às mudanças no
mercado. No limite, não se pode pensar em grande futuro para uma empresa assim.
Teria que ser uma igreja, não uma empresa.
Mais que isso, colocar um anúncio de emprego exigindo
crença religiosa é discriminação. A empresa fica sujeita à indenização
judicial, tanto perante os potenciais candidatos desclassificados, quanto aos
futuros funcionários insatisfeitos. Também é justo motivo para atuação do
Ministério Público, como já se verificou em alguns casos. Enfim, o referido
anúncio de emprego constitui prova de prática ilegal.
Nesse sentido, vejamos o artigo 5° da Constituição
Federal, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, sendo de importância
capital e estabelecido como "cláusula pétrea" (não pode ser
alterado). Verificamos em alguns de seus incisos:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
(...)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou
de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se
de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Portanto, à luz da administração e do direito, acho
que tive justo motivo para ficar boquiaberto diante de tal anúncio de emprego.
Assim, comecei a refletir a respeito... Não sou uma
pessoa religiosa, mas sempre me impressionei com o poder da religião. Durante
um certo período, procurei compreender mais a respeito. Para tal, li artigos e
livros sobre religiões. Verifiquei que existe uma miríade de explicações sobre
o mundo, sobre o porquê das coisas serem como são e muitas diferenças a
respeito. Verifiquei também, e isso é particular no cristianismo e suas
variações, uma grande manipulação e adaptação histórica dos fatos e relatos, de
modo a acomodar as descrições religiosas às necessidades políticas e de poder
(até mesmo para solapar religiões antigas, como é exemplo na superstição que
gato preto dá azar - só porque um religião pagã adorava gatos, assim como
acontecia no Egito).
Enfim, procurar entender várias religiões é
importante para criar uma maior compreensão, uma visão mais holística, não se
prendendo a uma única explicação só porque as pessoas que estão perto de você
assim o fazem. A questão de qual religião você segue nem é importante. O importante,
talvez, seja procurar entender o porquê da necessidade de seguir uma religião.
E quando você começa a analisar essa questão com um
olhar mais racional, começa a perceber muitas idiossincrasias, que são
proporcionais à religiosidade da pessoa.
Por exemplo, é comum desportistas atribuírem suas
vitórias à vontade de deus. Mas que deus seria esse, que lhe dá a vitória?
Afinal, ao mesmo tempo, teria que dar a derrota ao outro jogador. E no esporte
nem todas as vitórias são justas. Logo, se isso fosse verdade, deus também não
seria justo.
E que dizer de um acontecimento que aparentemente
deveria causar a morte da pessoa, como o caso de um acidente automobilístico,
mas ela sobrevive? Logo dizem que foi "graças à deus". Mas, então,
por que deus permitiu que essa pessoa se acidentasse? A troco de quê? De dar
uma lição a ela para alguma coisa na vida? Então deus olha cada pessoa,
impingindo sofrimentos e castigos quando acha que ela é merecedora? É por isso,
então, que permite a dor, doenças, guerras, fomes e até mesmo o azar? Não seria
uma concepção exageradamente estreita e maniqueísta da vida?
Já verifiquei casos interessantes, como o de um
gerente que era muito rígido (não ríspido) em defender regramentos e os
critérios que considerasse justo, em prol da empresa onde se destacava - até
mesmo prejudicando funcionários e fornecedores, se necessário (embora essa não seja
uma boa estratégia de longo prazo). Surpreendeu-me constatar que, fora do
ambiente de trabalho, era uma pessoa profundamente religiosa. Eu não o via
praticar os mesmos ensinamentos religiosos no trabalho. Daí comecei a imaginar
se a religião não seria uma forma de escape, de se sentir bem consigo mesmo,
apesar de ciente que não necessariamente agia de forma justa e solidária com o
próximo. Bom, eu particularmente não me sentiria bem comigo mesmo agindo da forma
que ele atuava no trabalho, pois prefiro soluções que tenham valor para as
partes envolvidas, ao invés de querer sempre obter vantagem.
De qualquer modo, não pretendo discutir sobre religiosidade,
apenas questiono sobre o porquê de existir tanta intolerância causada pela
religião, como no caso da empresa do anúncio de emprego.
Algumas vezes já percebi pessoas se afastarem de mim
ao saberem que não sou religioso. Mas eu não faço a mesma coisa pelo fato da
pessoa ser cristã, judia, muçulmana, budista, etc. Não deveria ser o contrário?
Quanto mais religiosa a pessoa, mais tolerante ela não deveria ser? Afinal, as
religiões não pregam a tolerância?
Então por que tem gente que discrimina quem não é da
mesma religião, como no caso da empresa do exemplo acima? Aliás, não é assim
que se iniciam tantas guerras, apenas por não se aceitar a diferença - o
Oriente Médio que o diga?
Acabo ficando com a percepção que as pessoas mais
religiosas são mais intolerantes e discriminadoras. Isso porque confundem fé
com religião. Fé está ligado a acreditar, em ter uma expectativa, não necessariamente
de cunho religioso. Só que, ao estabelecerem o limite da compreensão ao que é
determinado pela religião, sem questionamento, criam a "fé cega", a
intolerância por quem não tem a mesma crença. Daí a religião, que deveria unir,
acaba por afastar as pessoas. Não se tolera pensar diferente.
É justamente por isso, e por não me sentir adequado a
nenhuma religião (embora ache mais interessante a fundamentação das religiões
orientais que a do cristianismo), que resolvi adotar uma postura agnóstica.
Não é que eu seja ateu (embora não negue tal
tendência). É que eu simplesmente acho que podem existir diferentes explicações
do mundo, diferentes pontos de vista e diferentes justificativas para
religiosidade. Por que todos deveriam ser iguais? O objetivo de ser agnóstico é
simplesmente esse: de procurar não ser intolerante, determinístico, manter-se
aberto para concepções distintas, diante da impossibilidade de se chegar a uma
verdade absoluta e definitiva (o que seria, assim me parece, muito pretensioso).
E isso não significa que eu não possa discordar e criticar, muito pelo
contrário. Acho justo que cada um tenha direito a formular e discutir crenças e
percepções, erradas ou não.
Não sou afeito à questão religiosa como explicação da
realidade. Acho muito mais interessante o estudo da física, da cosmologia e da
própria filosofia, como fontes muito mais enriquecedoras de compreensão - mesmo
que compreender seja tornar tudo ainda mais incerto!
Enfim, já me disseram, mais de uma vez, que, se eu
fosse religioso ("tivesse fé") seria mais feliz. É provável. Colocaria
antolhos e teria, diante de mim, uma realidade bem mais limitada, bem mais
simples, bem mais controlada e explicável, com menos incertezas (que seriam
apenas a "vontade de deus").
Mas prefiro não ser feliz dessa maneira.
Só para constar: eu disse que se vc tivesse fé vc seria mais feliz, não que se vc tivesse uma religião vc seria mais feliz. Como vc deturpa as coisas!
ResponderExcluirConcordo.
ResponderExcluir