Páginas

28 de set. de 2012

Contestação ao Modelo de Estratégias Competitivas Genéricas


De acordo com o modelo de estratégias competitivas proposto por Michael Porter, para obter vantagens competitivas permanentes as empresas devem adotar um dos seguintes posicionamentos: diferenciação, enfoque ou liderança de custo (já tratado em outro texto - ver aqui).


Não obstante, a observação de casos reais colocou em xeque a real necessidade de se adotar apenas uma dessas estratégias, em detrimento das demais.
A partir da década de 1980, algumas empresas mostraram ser possível obter uma posição de destaque e rentabilidade adotando estratégias que seriam consideradas incompatíveis, o que corresponderia ao problema de falta de foco ("meio termo") indicado por Porter:
O principal motivo pelo qual as idéias de Porter não funcionaram é que algumas empresas simplesmente se recusaram a seguir suas regras. Ao longo da década de 80, enquanto Porter continuava aperfeiçoando suas idéias, muitas empresas japonesas, e algumas estrelas ascendentes norte-americanas, como a Wal-Mart, fizeram o que Porter considerava impossível: adotaram as estratégias de baixo custo e diferenciação ao mesmo tempo. Ficaram presas no meio-termo, como diria Porter; no entanto, não só sobreviveram como também prosperaram. Ficou óbvio para o mundo empresarial norte-americano que a teoria de Porter não mais correspondia à realidade. (Boyett, 1999, p. 202)
Micklethwait e Wooldridge observaram que a falta de foco em uma estratégia competitiva ia mais além, posto que empresas conseguiam sucesso simplesmente sem contar com nenhum planejamento estratégico formal.
Não só os japoneses combinaram as coisas que Porter considerava incompatíveis como também o fizeram sem  se dar ao trabalho de preparar planos estratégicos. O vício norte-americano do planejamento empresarial pareceu a pensadores japoneses como Kanichi Ohmar uma versão para o setor privado do vício soviético ao planejamento central (...) Robert Hayes observou que muitos gerentes de linha consideravam o planejamento estratégico um impedimento à boa gerência. Amir Bhide observou que dois terços dos fundadores de empresas de rápido crescimento que ele havia entrevistado tinham iniciado suas empresas com planos de negócios informais ou simplesmente sem plano algum.  (Micklethwait, Wooldridge, 1198, p. 117)
O conceito de planejamento estratégico perdeu destaque no início da década de 1990 diante do modismo do downsizing, até se verificar que simplesmente fazer reengenharia e cortar o máximo de funções "não essenciais" numa organização, além de não lhe propiciar maior competitividade, poderia resultar em sérios danos em seu conhecimento tácito. Mas mesmo tal constatação não significou o recrudescimento da prática de planejamento estratégico, muito menos a confirmação de sua efetividade.
De fato, por si só, o modelo de estratégias genéricas apresenta uma contradição inerente: se todas as empresas adotarem uma estratégia genérica, haverá tendência a um equilíbrio não dinâmico, uma mera delimitação de mercado entre os participantes. Se o modelo de estratégia genérica se constituísse como única alternativa para inserção no mercado, as forças econômicas teriam uma conotação quase que exclusivamente política, referente à manutenção da ordem em seu setor de atuação. Somente choques externos poderiam colocar o equilíbrio de mercado à prova.
Não é esse, porém, o verdadeiro espírito da competição entre empresas no sistema capitalista, como bem observou Joseph Schumpeter ao definir o conceito de "destruição criativa". Se existe um modelo genérico para se atingir o sucesso num mercado competitivo, com sua difusão é de se esperar que as empresas busquem alternativas a esses modelo, de forma a se diferenciarem dos concorrentes e conseguirem uma maior rentabilidade - e esse é o sentido da inovação.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
BOYETT, Joseph, BOYETT, Jimmie. O Guia Dos Gurus. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos Da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998. 

24 de set. de 2012

O Modelo Genérico Das Estratégias Competitivas Genéricas


O sucesso alcançado por Michael Porter com seu modelo de estratégias genéricas (já tratado em outro texto - ver aqui) inspirou outros autores em administração, como Michael Treacey e Fred Wiersema.
Particularmente no caso desses dois autores, houve grande polêmica em torno de seu livro "A Disciplina dos Líderes de Mercado", cujo sucesso foi em parte atribuído à promoção com práticas desonestas - esquema de compras intermediadas em diferentes livrarias junto à consultoria CSC Index, à qual os autores estavam ligados.


Treacey e Wiersema defendem que as empresas devem seguir "disciplinas de valor" para atingir e manter um posicionamento competitivo sustentável. E essas disciplinas, de maneira muito similar ao modelo de Porter, seriam: a excelência operacional, a liderança em produtos e a intimidade com o cliente.
A excelência operacional está ligada à capacidade da organização em aplicar seus recursos da maneira eficiente, valendo-se para isso de uma estrutura enxuta e padronizada, dando ênfase menor à variedade e personalização de produtos e serviços:
(...) As empresas que a buscam não são basicamente inovadoras em produtos ou serviços, nem cultivam relacionamentos profundos e individuais com seus clientes. Em vez disso, as empresas operacionalmente excelentes oferecem produtos médios em relação ao mercado ao melhor preço, com o mínimo de inconveniência. Sua proposição aos clientes é simples: preço baixo e atendimento sem discussões. A Wal-Mart é típica desta espécie de empresa, com sua abordagem ao varejo de massa sem supérfluos. (Treacey, Wiersema, 1998, p. 13)
Já nas empresas com estratégia de liderança de produto o foco de atuação é a tensão criativa na busca por mudanças, por novos e melhores produtos. “Seus praticantes se concentram em oferecer produtos que alargam as fronteiras do desempenho. Sua proposição aos clientes é a oferta do melhor produto, e ponto final. (Treacey, Wiersema, 1998, p. 13)
De outro lado, as empresas com estratégia de intimidade com o cliente assumem uma postura essencialmente igual à descrita por Michael Porter como estratégia de enfoque:
(...) Seus partidários focalizam não a entrega daquilo que o mercado deseja, mas daquilo que clientes específicos desejam. As empresas íntimas com clientes não buscam transações únicas; elas cultivam relacionamentos. Elas se especializam em satisfazer necessidades únicas que, com frequência, somente elas reconhecem, em virtude do seu relacionamento íntimo com o cliente. Sua proposição ao cliente é a seguinte: Temos a melhor solução para você – e provemos todo o suporte de que necessita para atingir resultados e/ou valor ótimos com qualquer produto que comprar. (Treacey, Wiersema, 1998, p. 14)
Por fim, assim como Porter, os autores argumentam sobre o risco do meio termo, quando a organização não assume especificamente uma das disciplinas de valor e acaba adotando modelos híbridos, com falta de direcionamento, descontrole, perda de oportunidades e má aplicação de recursos.
Não verifico originalidade na proposta desses autores. Não me parecem acrescentar qualquer conhecimento novo, apenas adotam uma diferente terminologia para tratar das mesmas questões já propostas por Michael Porter. Sendo assim, é surpreendente que Philip Kotler, conhecido especialista em marketing, tenha considerado os pontos de vista de Treacey e Wiersema como superiores e adotado tal perspectiva em seu trabalho.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
TREACEY, Michael, WIERSEMA, Fred. A Disciplina Dos Líderes de Mercado. 3. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

20 de set. de 2012

Estratégia Competitiva Segundo Michael Porter


Com base em estudos que realizou na economia americana a partir da década de 1970, Michael Porter estabeleceu o importante, e bastante difundido, esquema das cinco forças que interagem no ambiente concorrencial:


Conforme se observa, o ambiente onde a organização atua é influenciado pela rivalidade entre os concorrentes e pela ação direta de quatro outras forças: (1) ameaça de entrada de outras empresas no mercado, (2) poder de negociação dos clientes, (3) poder de negociação dos fornecedores e (4) ameaça de produtos substitutos.
Desta maneira, a concorrência é compreendida não apenas como o choque direto entre empresas fornecedoras de um mesmo produto, mas também como a interação de outras forças relacionadas ao mercado em questão. Nesse sentido, Porter define a concorrência como rivalidade ampliada, sendo que é a intensidade da combinação da atuação dessas forças que irá determinar o grau de competição no setor, interferindo diretamente em sua rentabilidade e determinando a definição de estratégias de ação para os participantes.
A importância de cada uma dessas forças concorrenciais depende da configuração de cada estrutura organizacional, das características do setor e mesmo de fatores de entorno não relacionados (como a ação governamental).
Para formulação de estratégias de atuação empresarial, Porter estabelece três abordagens: (1) liderança em custo, (2) diferenciação e (3) enfoque. Assim, adotando uma dessas três direções para planejamento de sua política de atuação, e fazendo a adaptação a seu segmento e estrutura, a organização estará em melhores condições para alocar recursos em prol da criação de uma vantagem competitiva sustentável frente ao ambiente de rivalidade ampliada.
Porter define liderança no custo total como a capacidade da organização em buscar oferecer seus produtos com preços mais baixos que os concorrentes. Para isso, é necessário que a organização adeque seu sistema de produção e distribuição, bem como busque uma maior participação de mercado, de modo a assegurar rendimentos com economias de escala, adotando o constante aprimoramento de vantagens operacionais:
Uma posição de baixo custo produz para a empresa retornos acima da média em sua indústria apesar da presença de intensas forças competitivas. A posição de custo da à empresa uma defesa contra a rivalidade dos concorrentes, porque seus custos mais baixos significam que ela ainda pode obter retornos depois que seus concorrentes tenham consumido seus lucros na competição. Uma posição de baixo custo defende a empresa contra compradores poderosos porque os compradores só podem exercer seu poder para baixar os preços ao nível do concorrente mais eficiente. Baixo custo proporciona uma defesa contra fornecedores poderosos trazendo maior flexibilidade para enfrentar os aumentos de custo dos insumos. Os fatores que levam a uma posição de baixo custo em geral também proporcionam barreiras de entrada substanciais em termos de economias de escala e vantagens de custo. Finalmente, uma posição de baixo custo em geral coloca a empresa em uma posição favorável em relação aos produtos substitutos de seus concorrentes na indústria. Assim, uma posição de baixo custo protege a empresa contra todas as cinco forças competitivas porque a negociação só pode continuar a erodir os lucros até o ponto em que os lucros do próximo concorrente mais eficiente tenham sido eliminados, e porque os concorrentes menos eficientes sofrerão antes as pressões competitivas. (Porter, 1991, p. 50)
diferenciação diz respeito à capacidade da organização em oferecer um produto ampliado e singular, criando uma demanda cativa - por exemplo, fornecer, além do produto, um serviço que complemente o atendimento da necessidade do cliente. No enfoque da diferenciação, a organização procura adequar seu produto às necessidades do cliente, assegurando assim sua posição no mercado. Ao contrário da liderança por custo, a estratégia de diferenciação permite a existência de vários líderes no mercado, já que seu diferencial de atuação pode evitar a guerra direta por preços.
A diferenciação, se alcançada, é uma estratégia viável para obter retornos acima da média em uma indústria porque ela cria uma posição defensável para enfrentar as cinco forças competitivas, embora de um modo diferente do que na liderança de custo. A diferenciação proporciona isolamento contra a rivalidade competitiva devido à lealdade dos consumidores com relação à marca como também à consequente menor sensibilidade ao preço. Ela também aumenta as margens, o que exclui a necessidade de uma posição de baixo custo. A lealdade resultante do consumidor e a necessidade de um concorrente superar a supremacia colocam barreiras de entrada. A diferenciação produz margens mais altas com as quais é possível lidar com o poder dos fornecedores e claramente ameniza o poder dos compradores, dado que lhes faltam alternativas comparáveis, sendo, assim, menos sensíveis aos preços. Finalmente, a empresa que se diferenciou para obter a lealdade do consumidor deverá estar mais bem posicionada em relação aos substitutos do que a concorrência. (Porter, 1991, p. 52)
Por fim, a estratégia de enfoque parte da premissa que, ao invés de buscar a liderança de mercado, de competir em nível mais amplo, a empresa deve focar sua participação em determinado segmento, não despendendo esforços fora deste. Assim, nesse segmento, a empresa pode adotar uma posição de custo baixo, de diferenciação ou mesmo ambos, conforme sua característica de atuação e forma de relacionamento com os clientes.
(...) A principal diferença entre a estratégia de enfoque e as outras duas é que uma empresa que adote a estratégia de foco decide conscientemente competir apenas em um segmento pequeno do mercado. Em vez de tentar atrair todos os compradores oferecendo-lhes baixo custo ou características e serviços únicos, a empresa que utiliza a estratégia de enfoque busca servir a um único tipo de comprador. Servindo a esse mercado limitado, a empresa que utiliza a estratégia do enfoque pode buscar a liderança de custos ou a diferenciação com as mesmas vantagens e desvantagens dos líderes de custo e dos diferenciadores. (Boyett, 1999, p. 198)
A figura seguinte apresenta, de maneira esquemática, o conceito das três estratégias genéricas.


No modelo de estratégias genéricas deve-se assinalar ainda o risco do “meio termo”, ou seja, o fato da organização não conseguir focar uma estratégia de atuação no mercado, o que pode comprometer seus rendimentos e efetividade de operação.
À empresa que se fixou no meio-termo é quase garantida uma baixa rentabilidade. Ou ela perde os clientes de grandes volumes, que exigem preços baixos, ou deve renunciar a seus lucros para colocar seu negócio fora do alcance das empresas de baixo custo. Entretanto, ela também perde negócios com altas margens – a nata – para as empresas que enfocaram metas de altas margens ou que atingiram um padrão de diferenciação global. A empresa no meio-termo provavelmente também sofre de uma cultura empresarial indefinida e de um conjunto conflitante de arranjos organizacionais e sistemas de motivação. (Porter, 1991, p. 55)
Embora muito difundido em cursos de administração e de grande importância para compreensão das forças de mercado, com o tempo surgiram dúvidas a respeito da efetividade das estratégias propostas por Michael Porter.
Particularmente, acredito que esse modelo foi superado pela interpretação apresentada pelo próprio autor no livro "On Competition", embora Porter não tenha admitido isso diretamente.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
BOYETT, Joseph, BOYETT, Jimmie. O guia dos gurus. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
PORTER, Michael. Estratégia competitiva: técnicas para análise da concorrência e indústria. 8. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1991.


13 de set. de 2012

Produção em Massa x Produção Enxuta


Produção em grandes quantidades - produção em massa -, está diretamente relacionada à linha de montagem, a qual não seria possível sem antes conseguir-se a padronização das peças, dos componentes, no trabalho industrial. Com peças intercambiáveis, eliminando as discrepâncias que geravam a necessidade de ajustes e da qualificação do trabalho artesanal, a produção em massa pôde evoluir para uma maior organização e simplificação do trabalho, passando a focar o tempo necessário à execução das tarefas e o aumento de produtividade.
O advento da produção em massa não só revolucionou a produção de bens, mas também permitiu a expansão do mercado consumidor, já que a economia de escala obtida pelo alto volume de produção permitiu a oferta de produtos a preços mais acessíveis. As implicações desse modelo atingem todo o âmago social, influenciando o consumismo e remodelando as relações entre homem e trabalho. Galbraith observou esse fenômeno:
Há oitenta anos, a sociedade anônima achava-se ainda confinada às indústrias em que, parecia, a produção tinha que ser em grande escala – construção de ferrovias, navegação a vapor, fabricação de aço e refino de petróleo e certos empreendimentos de mineração. Hoje ela também vende secos e molhados, mói sementes de cereais, edita jornais e oferece divertimentos públicos, atividades que eram outrora de esfera do proprietário individual ou da firma pequena. As firmas maiores aplicam bilhões de dólares em equipamentos e empregam centenas de milhares de homens em dezenas de locais para produzir centenas de produtos. No final de 1974, as 200 maiores empresas individuais dos Estados Unidos – 1/10 de 1% de todas as indústrias – tinham dois terços de todo o ativo empregado na produção industrial, e mais de 3/5 de todas as vendas, empregos e renda líquida. Tal concentração não só é elevada, como se intensifica rapidamente. No final de 1974, a participação das 200 maiores em vendas, empregos e ativo era maior do que a das 500 maiores de 1955! (Galbraith, 1985, p. 13)
Com a produção em massa, a qualificação do "trabalhador de chão de fábrica" (também já chamado de “colarinho azul”) é pouco necessária, constituindo este quase que um mero alimentador de processos, mantendo a maquinaria em funcionamento e contribuindo com funções simples e repetitivas.



Dado o próprio desenvolvimento econômico e as características inerentes de competição no sistema capitalista, o aprimoramento dos métodos de trabalho e otimização de recursos permite melhorias no processo produtivo e surgimento de novos conceitos, explorando oportunidades que o sistema padronizado e de escala da produção em massa não assistia. O desenvolvimento desses aprimoramentos dá origem ao que se chamou de "produção enxuta".
O produtor em massa utiliza profissionais excessivamente especializados para projetar produtos manufaturados por trabalhadores semi ou não-qualificados, utilizando máquinas dispendiosas e especializadas em uma única tarefa. Essas “cospem” produtos padronizados em altíssimos volumes. Por ser a maquinaria tão cara e pouco versátil, o produtor em massa adiciona várias folgas – suprimentos adicionais, trabalhadores extras e espaço extra – para assegurar a continuidade da produção. Por ser a mudança para um novo produto tão dispendiosa, o produtor em massa mantém os modelos padrão em produção o maior tempo possível. O resultado: o consumidor obtém preços mais baixos, mas à custa de variedade, e com métodos de trabalho que muitos trabalhadores julgam monótonos e sem sentido.
O produtor enxuto, em contraposição, combina as vantagens das produções artesanal e em massa, evitando os altos custos dessa primeira e a rigidez desta última. Com essa finalidade, emprega a produção enxuta equipes de trabalhadores multiqualificados em todos os níveis da organização, além de máquinas altamente flexíveis e cada vez mais automatizadas, para produzir imensos volumes de produtos de ampla variedade. (Womack, Jones, Roos, 1992, p. 3)
Na década de 1950, no Japão, empresas como a Toyota começaram a adotar, por força das circunstâncias, mudanças no processo operacional que caracterizariam o sistema de produção enxuta. Porém, tais mudanças só tiveram impacto significativo em nível mundial a partir da década de 1970, graças ao choque de oferta causado pela crise do petróleo - que, particularmente, deu aos carros japoneses uma maior vantagem competitiva, não sendo a indústria americana capaz de responder rapidamente com a oferta de produtos diferenciados, dada sua característica de produção em escala.
A competição é inerente ao sistema capitalista. Cedo ou tarde ocorre uma inovação de processo, a invenção de um novo produto, a descoberta de um novo nicho de mercado. Assim, são obtidas vantagens de pioneirismo, com obtenção de maiores lucros, atraindo novos concorrentes para o setor. Essas inovações acabam absorvidas e aprimoradas por concorrentes, podendo ser adaptadas para outros segmentos de mercado.
Além disso não se pode desconsiderar o contexto de contínua evolução tecnológica e informacional, permitindo a maior difusão, a menor custo, de inovações operacionais e práticas de gestão.
A difusão tecnológica e informacional, acirra a concorrência intercapitalista, tornando o sentido da produção enxuta, de reduzir custos e otimizar recursos (ou seja, “enxugar” a estrutura) como uma tendência comum para muitos setores de mercado.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
GALBRAITH, John K. O Novo Estado Industrial. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
WOMACK, James P., JONES, Daniel T., ROOS, Daniel. A Máquina Que Mudou o Mundo. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.


2 de set. de 2012

Henry Ford e Alfred Sloan


Após participar de alguns empreendimentos sem sucesso, Henry Ford (1863-1947) criou, em 1903, uma companhia que se tornou expressão da revolução na produtividade do capitalismo industrial - a Ford Motor Company.
Produção em massa e grande escala expressam a filosofia empresarial de Ford. Sua empresa dedicava-se exclusivamente a um único modelo de automóvel, o “Modelo T”, em torno do qual toda a estrutura empresarial funcionava - o direcionamento da Ford Motor Company era para o produto, ao qual seu processo produtivo deveria estar adaptado da maneira mais eficiente possível. E assim se desenvolveu a produção em série, com o trabalho especializado e repetitivo, padronizado.
A primeira linha de montagem móvel do mundo surgiu na primavera de 1913, no departamento de magnetos. Até então o montador de magnetos trabalhava numa bancada com uma gama completa de magnetos, parafusos e grampos, ajustando cerca de 40 conjuntos completos de magnetos num dia de trabalho de nove horas. Agora, a cada montador passaram a ser destinadas apenas uma ou duas das muitas e diferentes operações inerentes à montagem – pôr um magneto no lugar e aparafusar duas porcas, antes de empurrar o conjunto para o vizinho.
Com o antigo sistema eram necessários uns 20 minutos para produzir um magneto. O tempo foi reduzido para 13 minutos e 10 segundos. Quando a rampa existente diante de cada homem, ao nível da cintura, foi substituída por uma faixa suspensa e motorizada, que regulava o andamento da linha, o tempo de produção baixou para cinco minutos. (Stanganelli, 1995, p.25)
Nesse sistema a própria companhia, graças à grande escala de produção, cria seu mercado, oferecendo um produto inovador – o automóvel a preço até então nunca tão acessível.
O modelo T foi lançado em 1908, passando a monopolizar a fabricação de carros da Ford Motor Company. “Depois da Primeira Guerra Mundial, Ford viria a dominar de tal modo o mercado de automóveis que metade dos carros de todo mundo seriam Modelos T.” (Stanganelli, 1995, p. 24)


Na verdade não só o automóvel de Ford era o “modelo T”, também sua organização tinha a forma de um T. O traço vertical representa seu modelo de concentração a jusante, produzindo desde a matéria-prima inicial até o produto final. O traço horizontal representa seu domínio a montante, pois Ford também era proprietário da cadeia de distribuição, com agências próprias: “Em 1926, já tinha 88 usinas e já empregava 150.000 pessoas, fabricando então 2.000.000 de carros por ano.” (Chiavenato, 1997, p. 79)
(...) Os outros fabricantes de automóveis limitavam-se a montar as peças, mas ele queria também extrair as matérias-primas com que seus carros eram feitos. Para isso, comprou minas de carvão e ferro. Comprou também uma vasta área no Brasil, onde plantava borracha: Fordlândia, uma fazenda perto do Amazonas. Comprou morros inteiros cobertos de pinheirais; e para transportar tudo isso para Dearborn, ele construiu sua própria frota de navios. (Stanganelli, 1995, p. 12)
Com sua estrutura empresarial, fomentadora e fornecedora de um mercado de produtos de massa, onde o inconveniente da padronização era compensado pela redução no preço, Henry Ford criou uma organização que não só detinha a concentração dos meios de produção, mas possibilitava a manutenção da concentração de mercado. E essa estrutura só foi possível graças ao incremento da produtividade com a linha de montagem para produção em massa:
(...) Highland Park estava transformada num vasto, complexo e interminável bailado mecânico. “Cada peça de trabalho na fábrica se mexe”, exultava Ford. “Como é a correia transportadora que anda, poupam-se 10 passos por dia a cada um dos 12 mil funcionários, e assim teremos economizado 80km de movimentos”.
A produção da fábrica referente a 1911-1912, de 78.440 Modelo T, havia sido conseguida com uma força de trabalho de 6.867 homens. No ano seguinte, a produção mais que duplicou, e a força de trabalho também. Mas quando, em 1913-1914, a produção quase duplicou mais uma vez, o número de trabalhadores não aumentou. Henry Ford havia descoberto o segredo que lhe abria as portas para um mágico mundo novo. (Stanganelli, 1995, p. 26)


 Ao longo da década de 1920, porém, a Ford Motor Company seguiu perdendo mercado para seu maior concorrente, a General Motors. E podemos relacionar a ascensão da General Motors à política administrativa implementada por Alfred Sloan Jr.
Sloan foi eleito para presidência da GM em 1923 por ação da família Du Pont, que controlava a companhia e estava insatisfeita com a presidência de William Durant. Este era um homem carismático, porém sua política de ênfase no volume de vendas e a falta de colaboradores preparados e atuantes na gestão, dado seu caráter centralizador, vinham contribuindo para as dificuldades financeiras da empresa.
Na comparação com Henry Ford, podemos destacar que Sloan se diferenciou pela  visão mais ampla da administração empresarial, não se apegando apenas ao produto e à produção, mas na forma como as diversas funções, setores e áreas da companhia interagiam. As ações de Sloan estavam calcadas numa filosofia que consistia em formar uma estrutura organizacional com divisões departamentais e de responsabilidades definidas, descentralizando toda a tomada de decisões, mas sem abolir o necessário controle do negócio.
Para tal, Sloan criou comitês e ligou as operações principais (comercialização, produção e distribuição) diretamente à presidência.
A coordenação dessas divisões operativas ficou a cargo de um Comitê de Operações. Foram criados três staffs: um staff geral destinado a ajudar as divisões em problemas especializados como compras, engenharia e pesquisa; um staff financeiro e contábil; e um staff pessoal do presidente, consistindo de assistentes.
Para substituir os métodos intuitivos de Durant, Sloan introduziu novos instrumentos de administração:
a. Planejamento, com função não só microeconômica (controle de produção) mas também macroeconômica (avaliação de índices nacionais, sazonais, concorrência, população, renda, etc.).
b. Formulação de Políticas (policy making) para todos os departamentos especializados.
c. Relações com os Distribuidores. Sloan foi um infatigável estudioso dos clientes distribuidores e viajava frequentemente para conhecê-los. (Lodi, 1978, p. 145)


Alfred Sloan Jr. foi presidente da General Motors de 1923 a 1962. Nesse período, as inovações advindas de sua prática administrativa mudaram a indústria, sendo reconhecidas e difundidas para outras companhias, como a General Eletric. A participação de mercado da GM, que era de 10% no início da década de 1920, alcançou o domínio de 45% do mercado na década de 1970, tornando a empresa a maior fabricante de automóveis do mundo. (Micklethwait, Wooldridge, 1998, p. 80),
(...) O grande feito de Sloan foi fazer pela administração o que Henry Ford havia feito pelo trabalho – transformá-la em um processo confiável, eficiente, semelhante a uma máquina. Na verdade, em grande parte, o sistema de Sloan deveria ser um antídoto para pioneiros temperamentais como Ford, cujo desprezo irracional pela produção de qualquer outra coisa que não fosse o Modelo “T” (certa vez, ele fez em pedaços uma versão ligeiramente modificada) quase levou sua empresa à falência. Sloan queria inventar uma empresa que pudesse administrar a si mesma. Por isso, inventou a empresa multidivisional moderna, na qual os negócios são divididos em um conjunto de unidades operacionais semi-autômatas, cada uma delas responsável pela manutenção da participação no mercado e dos lucros em um único negócio ou mercado e cada uma delas com os chefes de divisão subordinados à sede encarregada de definir a estratégia de longo prazo e alocar capital. Embora a empresa sloanista fosse descentralizada, havia um sistema rígido (e formal) de comando e controle. (Micklethwait, Wooldridge, 1998, p. 80)
Ford e Sloan exemplificam as transformações na estrutura do sistema econômico e administrativo a partir da divisão do trabalho e da produção mecanizada. As consequências desse processo nas organizações é percebida pela viabilidade de estruturas de grande escala, capazes de ampliar, e mesmo formar, um mercado consumidor, dado seu volume de produtos a preços acessíveis e seu poder de atuação político e de marketing, transformando-se substancialmente o modelo de operação e gestão empresarial. Enquanto Ford expressava a busca por uma maior eficiência na produção, aumentando-se a produtividade e reduzindo custos de forma contínua, Sloan representava a adaptação desse sistema ao âmbito administrativo, gerando a organização autônoma, não ancorada apenas na figura de um empreendedor (como no caso da Ford Motor), mas capaz de garantir sua funcionalidade com uma estrutura de trabalho definida, procurando combinar qualidade com profissionalização, consolidando o que Galbraith cognominou de Tecnoestrutura.
(...) a decisão na empresa moderna é produto não de indivíduos, porém de grupos. Estes são numerosos, tão frequentemente formais como informais e sujeitos a constantes alterações em sua composição. Cada grupo contém os homens que possuem as informações ou com acesso a elas, que têm a ver com a decisão específica, e com elas, aqueles cuja habilidade consiste em extrair a analisar essas informações e obter uma conclusão. Esta é a maneira pela qual os homens agem com êxito em questões em que nenhum, sozinho, por brilhante ou inteligente que seja, tem mais que uma fração do conhecimento necessário. É o que torna possível a empresa moderna, e em outros contextos é o que torna possível o Governo moderno. Ainda bem que os homens de conhecimentos limitados sejam assim reunidos de modo que possam trabalhar juntos dessa maneira. Fosse diferentemente, os negócios e o Governo, numa ocasião qualquer, ficariam paralisados aguardando o aparecimento de um homem com a necessária amplitude de conhecimentos para resolver o problema então existente. (Galbraith, 1985, p. 60-61)
No passado, a liderança na empresa identificava-se com o empresário – o indivíduo que unia a propriedade ou o controle do capital com a capacidade de organizar os outros fatores de produção e, na maioria dos contextos, com a capacidade de fazer inovações. Com o advento da sociedade moderna, o surgimento da organização exigida pela tecnologia e pelo planejamento modernos e a separação entre o dono do capital e o controle da empresa, o empresário não mais existe como pessoa individual na empresa industrial amadurecida. Conversações cotidianas, exceto nos manuais de Economia, reconhecem essa alteração. Elas substituem o empresário, como força direcional da empresa, pela administração. Esta é uma entidade coletiva e imperfeitamente definida; nas grandes companhias, abrange o presidente da Diretoria, o presidente da empresa, os vice-presidentes com importantes equipes ou responsabilidade departamental, os ocupantes de outros cargos relevantes e, talvez, chefes de divisões ou de departamentos não incluídos acima. Inclui, porém, somente pequena proporção dos que, como participantes, contribuem com as informações para as decisões de grupo. Este último grupo é muito grande; estende-se desde os funcionários mais graduados da organização até encontrar-se, no perímetro externo, com os escriturários e operários, cuja função é ajustar-se mais ou menos mecanicamente às ordens ou à rotina. Abrange todos os que trazem conhecimentos especializados, talento ou experiência às tomadas de decisão de grupo. Este, e não o restrito grupo de diretores, é a inteligência orientadora – o cérebro – da empresa. Não há um nome para todos os que participam da tomada de decisão de grupo ou para a organização que eles formam. Proponho dar a essa organização o nome de Tecnoestrutura. (Galbraith, 1985, p. 64)
Nesse contexto, as transformações no âmbito econômico e organizacional não são limitadas, mas influenciam todo o status quo, atingindo a sociedade em seus aspectos sociais, culturais e mesmo psicológicos. Basta pensar no impacto da difusão do automóvel, reduzindo distâncias, influenciando o tempo das pessoas, forçando à reformulação das cidades e de vias rodoviárias. Em não muito tempo, as grandes estruturas econômicas dominaram o mundo, tendo por base o poder decorrente de sua escala, não mais necessariamente com vinculação a um único setor ou mercado, fomentando sua influência e papel social.
Esse modelo, que graças a Henry Ford podemos relacionar historicamente ao automóvel e ao desenvolvimento de sua companhia – daí o termo fordismo –, é definido por alguns, tais suas implicações gerais no âmbito da sociedade humana, de Segunda Revolução Industrial, abrangendo do começo de século XX até a década de 1970, quando o desafio produtivo japonês e a evolução tecnológica decorrente da tecnologia de informação começam a questionar suas bases de divisão e organização do trabalho.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 5. ed. São Paulo: Makron Books, 1997.
GALBRAITH, John K. O Novo Estado Industrial. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
LODI, João Bosco. História da Administração. 6. ed. São Paulo: Pioneira, 1978
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
STANGANELLI, R. (Org.). Henry Ford Por Ele Mesmo. São Paulo: Martin Claret, 1995.