Após participar de alguns empreendimentos sem
sucesso, Henry Ford (1863-1947) criou, em 1903, uma companhia que se tornou
expressão da revolução na produtividade do capitalismo industrial - a Ford
Motor Company.
Produção em massa e grande escala expressam a
filosofia empresarial de Ford. Sua empresa dedicava-se exclusivamente a um
único modelo de automóvel, o “Modelo T”, em torno do qual toda a estrutura
empresarial funcionava - o direcionamento da Ford Motor Company era para o
produto, ao qual seu processo produtivo deveria estar adaptado da maneira mais
eficiente possível. E assim se desenvolveu a produção em série, com o trabalho
especializado e repetitivo, padronizado.
A primeira
linha de montagem móvel do mundo surgiu na primavera de 1913, no departamento
de magnetos. Até então o montador de magnetos trabalhava numa bancada com uma
gama completa de magnetos, parafusos e grampos, ajustando cerca de 40 conjuntos
completos de magnetos num dia de trabalho de nove horas. Agora, a cada montador
passaram a ser destinadas apenas uma ou duas das muitas e diferentes operações
inerentes à montagem – pôr um magneto no lugar e aparafusar duas porcas, antes
de empurrar o conjunto para o vizinho.
Com o antigo
sistema eram necessários uns 20 minutos para produzir um magneto. O tempo foi
reduzido para 13 minutos e 10 segundos. Quando a rampa existente diante de cada
homem, ao nível da cintura, foi substituída por uma faixa suspensa e
motorizada, que regulava o andamento da linha, o tempo de produção baixou para
cinco minutos. (Stanganelli, 1995,
p.25)
Nesse sistema a própria companhia, graças à grande
escala de produção, cria seu mercado, oferecendo um produto inovador – o
automóvel a preço até então nunca tão acessível.
O modelo T
foi lançado em 1908, passando a monopolizar a fabricação de carros da Ford
Motor Company. “Depois da Primeira Guerra Mundial, Ford viria a dominar de tal
modo o mercado de automóveis que metade dos carros de todo mundo seriam Modelos
T.” (Stanganelli, 1995, p. 24)
Na verdade
não só o automóvel de Ford era o “modelo T”, também sua organização tinha a
forma de um T. O traço vertical representa seu modelo de concentração a
jusante, produzindo desde a matéria-prima inicial até o produto final. O traço
horizontal representa seu domínio a montante, pois Ford também era proprietário
da cadeia de distribuição, com agências próprias: “Em 1926, já tinha 88 usinas
e já empregava 150.000 pessoas, fabricando então 2.000.000 de carros por ano.” (Chiavenato, 1997, p. 79)
(...) Os
outros fabricantes de automóveis limitavam-se a montar as peças, mas ele queria
também extrair as matérias-primas com que seus carros eram feitos. Para isso,
comprou minas de carvão e ferro. Comprou também uma vasta área no Brasil, onde
plantava borracha: Fordlândia, uma fazenda perto do Amazonas. Comprou morros inteiros
cobertos de pinheirais; e para transportar tudo isso para Dearborn, ele
construiu sua própria frota de navios.
(Stanganelli, 1995, p. 12)
Com sua estrutura empresarial, fomentadora e
fornecedora de um mercado de produtos de massa, onde o inconveniente da
padronização era compensado pela redução no preço, Henry Ford criou uma
organização que não só detinha a concentração dos meios de produção, mas
possibilitava a manutenção da concentração de mercado. E essa estrutura só foi
possível graças ao incremento da produtividade com a linha de montagem para
produção em massa:
(...)
Highland Park estava transformada num vasto, complexo e interminável bailado
mecânico. “Cada peça de trabalho na fábrica se mexe”, exultava Ford. “Como é a
correia transportadora que anda, poupam-se 10 passos por dia a cada um dos 12
mil funcionários, e assim teremos economizado 80km de movimentos”.
A produção
da fábrica referente a 1911-1912, de 78.440 Modelo T, havia sido conseguida com
uma força de trabalho de 6.867 homens. No ano seguinte, a produção mais que
duplicou, e a força de trabalho também. Mas quando, em 1913-1914, a produção
quase duplicou mais uma vez, o número de trabalhadores não aumentou. Henry Ford
havia descoberto o segredo que lhe abria as portas para um mágico mundo novo.
(Stanganelli, 1995, p. 26)
Ao longo da década de 1920, porém, a Ford Motor
Company seguiu perdendo mercado para seu maior concorrente, a General Motors. E
podemos relacionar a ascensão da General Motors à política administrativa implementada
por Alfred Sloan Jr.
Sloan foi eleito para presidência da GM em 1923 por
ação da família Du Pont, que controlava a companhia e estava insatisfeita com a
presidência de William Durant. Este era um homem carismático, porém sua
política de ênfase no volume de vendas e a falta de colaboradores preparados e
atuantes na gestão, dado seu caráter centralizador, vinham contribuindo para as
dificuldades financeiras da empresa.
Na comparação com Henry Ford, podemos destacar que
Sloan se diferenciou pela visão mais
ampla da administração empresarial, não se apegando apenas ao produto e à
produção, mas na forma como as diversas funções, setores e áreas da companhia
interagiam. As ações de Sloan estavam calcadas numa filosofia que consistia em
formar uma estrutura organizacional com divisões departamentais e de
responsabilidades definidas, descentralizando toda a tomada de decisões, mas
sem abolir o necessário controle do negócio.
Para tal, Sloan criou comitês e ligou as operações
principais (comercialização, produção e distribuição) diretamente à
presidência.
A
coordenação dessas divisões operativas ficou a cargo de um Comitê de Operações.
Foram criados três staffs: um staff geral destinado a ajudar as divisões em
problemas especializados como compras, engenharia e pesquisa; um staff
financeiro e contábil; e um staff pessoal do presidente, consistindo de
assistentes.
Para
substituir os métodos intuitivos de Durant, Sloan introduziu novos instrumentos
de administração:
a.
Planejamento, com função não só microeconômica (controle de produção) mas
também macroeconômica (avaliação de índices nacionais, sazonais, concorrência,
população, renda, etc.).
b.
Formulação de Políticas (policy making) para todos os departamentos
especializados.
c. Relações
com os Distribuidores. Sloan foi um infatigável estudioso dos clientes
distribuidores e viajava frequentemente para conhecê-los. (Lodi, 1978, p. 145)
Alfred Sloan Jr. foi presidente da General Motors de
1923 a 1962. Nesse período, as inovações advindas de sua prática administrativa
mudaram a indústria, sendo reconhecidas e difundidas para outras companhias,
como a General Eletric. A participação de mercado da GM, que era de 10% no
início da década de 1920, alcançou o domínio de 45% do mercado na década de 1970,
tornando a empresa a maior fabricante de automóveis do mundo. (Micklethwait,
Wooldridge, 1998, p. 80),
(...) O
grande feito de Sloan foi fazer pela administração o que Henry Ford havia feito
pelo trabalho – transformá-la em um processo confiável, eficiente, semelhante a
uma máquina. Na verdade, em grande parte, o sistema de Sloan deveria ser um
antídoto para pioneiros temperamentais como Ford, cujo desprezo irracional pela
produção de qualquer outra coisa que não fosse o Modelo “T” (certa vez, ele fez
em pedaços uma versão ligeiramente modificada) quase levou sua empresa à
falência. Sloan queria inventar uma empresa que pudesse administrar a si mesma.
Por isso, inventou a empresa multidivisional moderna, na qual os negócios são
divididos em um conjunto de unidades operacionais semi-autômatas, cada uma
delas responsável pela manutenção da participação no mercado e dos lucros em um
único negócio ou mercado e cada uma delas com os chefes de divisão subordinados
à sede encarregada de definir a estratégia de longo prazo e alocar capital. Embora
a empresa sloanista fosse descentralizada, havia um sistema rígido (e formal)
de comando e controle. (Micklethwait, Wooldridge, 1998, p. 80)
Ford e Sloan exemplificam as transformações na
estrutura do sistema econômico e administrativo a partir da divisão do trabalho
e da produção mecanizada. As consequências desse processo nas organizações é
percebida pela viabilidade de estruturas de grande escala, capazes de ampliar, e
mesmo formar, um mercado consumidor, dado seu volume de produtos a preços
acessíveis e seu poder de atuação político e de marketing, transformando-se
substancialmente o modelo de operação e gestão empresarial. Enquanto Ford
expressava a busca por uma maior eficiência na produção, aumentando-se a produtividade
e reduzindo custos de forma contínua, Sloan representava a adaptação desse
sistema ao âmbito administrativo, gerando a organização autônoma, não ancorada
apenas na figura de um empreendedor (como no caso da Ford Motor), mas capaz de
garantir sua funcionalidade com uma estrutura de trabalho definida, procurando
combinar qualidade com profissionalização, consolidando o que Galbraith
cognominou de Tecnoestrutura.
(...) a
decisão na empresa moderna é produto não de indivíduos, porém de grupos. Estes
são numerosos, tão frequentemente formais como informais e sujeitos a
constantes alterações em sua composição. Cada grupo contém os homens que
possuem as informações ou com acesso a elas, que têm a ver com a decisão
específica, e com elas, aqueles cuja habilidade consiste em extrair a analisar essas
informações e obter uma conclusão. Esta é a maneira pela qual os homens agem
com êxito em questões em que nenhum, sozinho, por brilhante ou inteligente que
seja, tem mais que uma fração do conhecimento necessário. É o que torna
possível a empresa moderna, e em outros contextos é o que torna possível o
Governo moderno. Ainda bem que os homens de conhecimentos limitados sejam assim
reunidos de modo que possam trabalhar juntos dessa maneira. Fosse
diferentemente, os negócios e o Governo, numa ocasião qualquer, ficariam
paralisados aguardando o aparecimento de um homem com a necessária amplitude de
conhecimentos para resolver o problema então existente. (Galbraith, 1985, p. 60-61)
No passado,
a liderança na empresa identificava-se com o empresário – o indivíduo que unia
a propriedade ou o controle do capital com a capacidade de organizar os outros
fatores de produção e, na maioria dos contextos, com a capacidade de fazer
inovações. Com o advento da sociedade moderna, o surgimento da organização
exigida pela tecnologia e pelo planejamento modernos e a separação entre o dono
do capital e o controle da empresa, o empresário não mais existe como pessoa
individual na empresa industrial amadurecida. Conversações cotidianas, exceto
nos manuais de Economia, reconhecem essa alteração. Elas substituem o
empresário, como força direcional da empresa, pela administração. Esta é uma
entidade coletiva e imperfeitamente definida; nas grandes companhias, abrange o
presidente da Diretoria, o presidente da empresa, os vice-presidentes com
importantes equipes ou responsabilidade departamental, os ocupantes de outros
cargos relevantes e, talvez, chefes de divisões ou de departamentos não
incluídos acima. Inclui, porém, somente pequena proporção dos que, como
participantes, contribuem com as informações para as decisões de grupo. Este
último grupo é muito grande; estende-se desde os funcionários mais graduados da
organização até encontrar-se, no perímetro externo, com os escriturários e
operários, cuja função é ajustar-se mais ou menos mecanicamente às ordens ou à
rotina. Abrange todos os que trazem conhecimentos especializados, talento ou
experiência às tomadas de decisão de grupo. Este, e não o restrito grupo de
diretores, é a inteligência orientadora – o cérebro – da empresa. Não há um
nome para todos os que participam da tomada de decisão de grupo ou para a
organização que eles formam. Proponho dar a essa organização o nome de
Tecnoestrutura. (Galbraith, 1985, p.
64)
Nesse contexto, as transformações no âmbito econômico
e organizacional não são limitadas, mas influenciam todo o status quo, atingindo a sociedade em seus aspectos sociais,
culturais e mesmo psicológicos. Basta pensar no impacto da difusão do
automóvel, reduzindo distâncias, influenciando o tempo das pessoas, forçando à
reformulação das cidades e de vias rodoviárias. Em não muito tempo, as grandes
estruturas econômicas dominaram o mundo, tendo por base o poder decorrente de
sua escala, não mais necessariamente com vinculação a um único setor ou mercado,
fomentando sua influência e papel social.
Esse modelo, que graças a Henry Ford podemos
relacionar historicamente ao automóvel e ao desenvolvimento de sua companhia –
daí o termo fordismo –, é definido por alguns, tais suas implicações gerais no
âmbito da sociedade humana, de Segunda Revolução Industrial, abrangendo do
começo de século XX até a década de 1970, quando o desafio produtivo japonês e
a evolução tecnológica decorrente da tecnologia de informação começam a
questionar suas bases de divisão e organização do trabalho.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 5. ed. São Paulo: Makron
Books, 1997.
GALBRAITH, John K. O Novo Estado Industrial. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
LODI, João Bosco. História
da Administração. 6. ed. São Paulo: Pioneira, 1978
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
STANGANELLI, R. (Org.). Henry Ford Por Ele Mesmo. São Paulo: Martin Claret, 1995.