A partir do período conhecido como “Restauração
Meiji” (reinado do imperador Mutsuhito, 1868 a 1912), foram realizadas reformas
que permitiram ao Japão registrar um progresso industrial constante. Mas o
término da II Guerra Mundial deixou o país em grave situação, com a economia
praticamente destruída, além de moralmente abalado pelas bombas de Hiroshima e
Nagasaki.
Para evitar maior influência de ideologia de países
socialistas e assegurar seu domínio na região, foi decisivo o investimento
americano na recuperação do Japão.
Pelos padrões
dos anos 90, o Plano Marshall gastou muito pouco dinheiro e com parcimônia. O
Plano foi liberal em suporte técnico e consultoria, mas deu dinheiro apenas
como ‘semente’ a empresas que tivessem um histórico convincente e apresentassem
um plano realista, com metas claras de desempenho. E tanto o suporte como o
dinheiro eram retirados no momento em que a empresa – fosse ela privada ou do
governo – desviasse dinheiro do plano acertado ou deixasse de atingir as metas
prefixadas de desempenho. (Drucker, 1999, p. 261)
Esse processo acabou gerando um aprimoramento no
desenvolvimento econômico japonês como ainda não se havia verificado, embora
não suprisse as grandes dificuldades de um país derrotado, destruído e carente
de matérias-primas e de infraestrutura industrial.
(...) houve o
efeito, menos mensurável, mas ainda assim imenso, da contribuição americana, da
inovação americana, do otimismo americano sobre o pensamento dos japoneses, dos
empresários em particular. A "democratização" do país por iniciativa
americana serviu para ventilar o mundo fechado do capitalismo japonês e de
práticas apenas semidemocráticas. Impôs aos japoneses – dizem alguns que
restaurou neles – um senso de mais amplas liberdades e horizontes mais largos.
O direito de voto parcial transformou-se em sufrágio universal; o Judiciário
semi-independente adquiriu independência completa; um movimento sindical que existia apenas no
nome e na memória tornou-se de fato uma poderosa força econômica e social. Na
verdade, a Ocupação transformou-se na segunda fase da Restauração Meiji, de
1868. (Gibney, 1982, p. 33)
É diante desse cenário de reconstrução, mas de
carência de recursos e tecnologia, que, após uma prolongada greve em 1949, o
engenheiro Eiji Toyoda, segunda
geração da família fundadora da Toyota Motor Company, fez uma
peregrinação de três meses à maior planta da Ford Motor Company nos EUA, onde
começou a visualizar as primeiras ideias sobre o aprimoramento dos métodos de
produção para a realidade de seu país.
A necessidade de remodelação industrial do Japão
ficou clara não só pela destruição causada pela II Guerra, mas também diante da
constatação que os produtos japoneses não apresentavam qualidade suficiente
para competição no mercado externo. Os estudos de Toyoda visavam a busca de
soluções em unidades mais desenvolvidas (em 1950, a fábrica da Ford em Rouge
fabricava por dia mais que o dobro da produção da Toyota em um ano) e acabaram
levando à necessárias adaptações para a realidade japonesa, onde as técnicas de
produção teriam que propiciar bons resultados com o menor investimento
possível.
Nesse sentido, foi decisivamente importante a
atuação de Taiichi Ohno, um dos principais engenheiros de produção da Toyota, que
acreditava que nos momentos de dificuldade os seres humanos (e as empresas) se
esforçam para encontrar as melhores soluções e acabam conseguindo (melhoria
contínua).
Michael Porter assim considerou esse fenômeno, de
transformação de um ambiente de dificuldades em vantagem competitiva:
Implícito na
tão repetida afirmação dos japoneses de que "Somos um país insular, sem
recursos naturais" encontra-se o reconhecimento de que essas deficiências
apenas serviram para incitar nele a inovação competitiva. A produção
just-in-time, por exemplo, economizou espaços de custos proibitivos. Os
produtores de aço italianos na área de Brescia enfrentaram um conjunto semelhante de desvantagens: altos
custos de capital, altos custos de energia e inexistência de matérias-primas
locais. Situadas no norte da Lombardia, essas empresas de capital fechado se
defrontavam com custos de logística estarrecedores, devido à distância dos
portos do sul e às ineficiências do sistema de transporte estatal da Itália. O
resultado: essas empresas foram as pioneiras em mini-usinas tecnologicamente
avançadas, que exigem investimentos de capital modestos, consomem menos
energia, utilizam sucata de metal como matéria-prima básica, são eficientes em
pequena escala e possibilitam a localização dos produtores próximos às fontes
de sucata e aos clientes finais. Em outras palavras, convertem desvantagens de
fatores em vantagem competitiva. (Porter, 1999, p. 185)
As observações de Ohno junto ao sistema de produção
em grandes lotes da indústria americana levaram a importantes reformulações no
processo produtivo da indústria automobilística, em muito auxiliando na
alavancagem e recuperação do Japão, sendo difundidas para outros países nas
décadas seguintes. Exemplo disso é a questão da troca de moldes das prensas de
chapas na fabricação de veículos. A Toyota não podia se dar ao luxo de perder
todo um dia de trabalho de profissionais especializados para trocar e alinhar o
molde em uma prensa. Nem mesmo poderia ter várias prensas especializadas em
determinadas peças. Assim, a necessidade de adaptar a produção à realidade
japonesa acabou resultando em descobertas que foram decisivas ao aprimoramento
das técnicas existentes:
Sua ideia era
desenvolver técnicas simples de trocas de moldes, e trocá-los com frequência –
a cada duas ou três horas, e não a cada dois ou três meses – usando carrinhos,
para trazer os moldes para suas posições e tirá-los, e mecanismos de ajuste
simples. Porque as novas técnicas eram fáceis de dominar e como os
trabalhadores da produção ficavam ociosos durante a troca de moldes, Ohno teve
a idéia de deixar que eles executassem também as trocas de moldes.
Adquirindo um
pequeno número de prensas norte-americanas de segunda mão e fazendo exaustivas
experiências com elas, a partir do final dos anos 40, Ohno acabou aperfeiçoando
sua técnica de troca rápida. No final da década de 1950, ele havia reduzido o
tempo necessário para trocar moldes de um dia para surpreendentes três minutos,
e eliminado a necessidade de especialistas na troca de moldes. No processo, fez
uma descoberta inesperada: o custo por peça prensada era menor na produção de
pequenos lotes do que no processamento
de lotes imensos. (Womack, Jones, 1992, p. 43)
Produzir em pequenos lotes maximizando o uso dos
equipamentos, diminuir os tempos de setup
e eliminar os tempos perdidos em atividades auxiliares do processo produtivo
implicava em redução de estoques e, por conseguinte, menor custo financeiro.
Também os tempos de retrabalho para corrigir peças defeituosas no final do
processo produtivo deveriam ser extintos e a linha de produção teria que
resolver os problemas quando eles acontecessem (e não apenas na inspeção final).
Mesmo o tempo de engenharia dos produtos (particularmente alto nas empresas
automobilísticas, dada a complexidade dos projetos) deveria ser reduzido.
Também era essencial a coordenação de fornecedores,
formando uma cadeia de fornecimento de peças com prazos determinados, com o menor
custo e a maior qualidade possível. Sem essa interação com fornecedores, a
produção com menor estoque não se mostraria viável.
Adaptar as estruturas de produção, gerenciamento e
coordenação, com base nesses fundamentos, constituiu um imenso esforço que
durou cerca de duas décadas. Mas tal foi decisivo quando, em 1973, o choque na
oferta de petróleo, promovido pelos países produtores da OPEP, gerou expressiva
alta no preço do combustível. Esse cenário tornou ainda mais viáveis os carros
japoneses, econômicos e agora com qualidade, que se tornaram imbatíveis frente
os grandes e pouco econômicos carros americanos. Também a produção flexível da
indústria automobilística japonesa permitiu uma adequação mais rápida às
mudanças de mercado, chegando a um estágio de diferenças marcantes:
(...) o
sistema de produção flexível da Toyota e sua habilidade em reduzir custos de
engenharia de produção permitiram à companhia suprir a variedade de produtos
exigidas pelos compradores sem custos elevados. Em 1990, a Toyota oferecia aos
consumidores de todo o mundo tantos produtos quanto a General Motors, ainda que
tenha metade do tamanho desta. A mudança da produção e das especificações dos
modelos custa, nas firmas de produção em massa, uma fábula. Em contraposição,
um proeminente produtor enxuto, como a Toyota, necessita de metade do tempo e
trabalho de um produtor em massa como a GM, para projetar um novo modelo. Assim
sendo, a Toyota pode oferecer duas vezes mais veículos com o mesmo orçamento
para desenvolvê-los. (Womack, Jones, 1992, p. 55)
Por fim, não se pode deixar de destacar o papel de
Edward Deming no processo de remodelagem industrial do Japão no pós-Guerra. Suas
ideias sobre a necessidade de controles estatísticos para a manutenção da
qualidade em plantas fabris inicialmente não tiveram grande difusão em seu país
de origem, EUA, onde a questão da qualidade era encarada como obviedade. No
Japão, porém, dada a constatação da inferioridade dos produtos locais e a
necessidade de ganhos de competitividade, tratava-se de uma questão de sobrevivência.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
DRUCKER, Peter. Administrando
em Tempos de Grandes Mudanças. São Paulo: Pioneiras, 1999.
GIBNEY, Frank. Milagre
Bem Planejado. São Paulo: Record, 1982.
PORTER, Michael. Competição. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
WOMACK,
James P., JONES, Daniel T., ROOS, Daniel. A Máquina Que
Mudou o Mundo. 11° ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.