Diante dos ataques contra a falta de
sustentabilidade de sua teoria de estratégias competitivas (apresentada em
outro artigo, ver aqui),
Michael Porter enfatiza, principalmente em seu livro "Competição" ("On
Competition"), a importância da definição de um posicionamento
estratégico, como requisito para se atingir vantagem competitiva duradoura.
O posicionamento – que já se situou no cerne da estratégia – tem sido
rejeitado como algo excessivamente estático para os mercados dinâmicos e para
as tecnologias em transformação da atualidade. De acordo com o novo dogma, os
rivais são capazes de copiar com rapidez qualquer posição de mercado, e a
vantagem competitiva é, na melhor das hipóteses, uma situação temporária.
Mas essas crenças são meias verdades perigosas e estão levando um número
crescente de empresas para as vertentes da competição mutuamente destrutiva. Sem dúvida, algumas
barreiras da competição estão
desmoronando, com a atenuação da regulamentação e com a globalização dos
mercados. É verdade que as empresas investiram energias, de forma adequada,
para se tornarem mais esbeltas e ágeis. No entanto, em vários setores, o que
muitos denominam hipercompetição não passa de autoflagelação, em vez do
resultado inevitável da mudança nos paradigmas da competição. (Porter,
1999)
Porter destaca o acirramento da concorrência diante
da difusão de práticas de eficácia operacional, onde as vantagens competitivas
são instáveis e provisórias. Defende a importância de definição de uma
estratégia de posicionamento no mercado, onde a organização possa efetivamente
auferir vantagens competitivas sustentáveis.
Para tal, se faz necessário o
entendimento que eficácia operacional não é estratégia, mas apenas um importante
pressuposto no desempenho eficiente da organização, de acordo com o grau de
efetividade tecnológica e gerencial de seu setor.
Porter define, então, o conceito de fronteira da produtividade, que
delimitaria o estado de efetividade operacional em determinado setor. A linha
demarcatória na figura seguinte representa o ponto de máxima efetividade no
fornecimento de um produto ou serviço que qualquer empresa de um dado setor
poderia disponibilizar ao mercado, dados os recursos disponíveis (tecnologia,
insumos, prática gerencial, etc.). Com o desenvolvimento econômico, a fronteira
da produtividade tende a se expandir (mover para direita, no gráfico). Esse
movimento vem se realizando progressivamente em virtude da evolução tecnológica
e da difusão das práticas gerenciais. Nesse movimento de expansão da fronteira,
a melhoria da efetividade operacional não se dá de forma restrita e localizada,
mas num processo de difusão, readequação e disseminação que resulta na
transformação de várias práticas arraigadas, levando a uma situação de
dinamismo que vem propiciar nova expansão da fronteira.
À medida que se movimentam em direção à fronteira, as empresas muitas
vezes são capazes de melhorar, ao mesmo tempo, múltiplas dimensões do
desempenho. Por exemplo, os fabricantes que adotaram a prática japonesa de
conversões rápidas, nos anos 80, foram capazes de, simultaneamente, reduzir os
custos e ampliar a diferenciação. Aspectos que já foram considerados
verdadeiras opções excludentes – como nível de defeitos e custos, por exemplo –
se revelaram ilusões decorrentes de deficiências na eficácia operacional. Os
gerentes aprenderam a rejeitar essas falsas opções excludentes. (Porter, 1999, p. 49-50)
Embora não se possa negar, em termos gerais, a
melhoria no desenvolvimento tecnológico e seu impacto nas atividades
empresariais, Porter argumenta que, por si só, o investimento em melhores
práticas em nada vem contribuindo em termos de resultados para as organizações.
Os ganhos que deveriam ser auferidos pelas organizações, mais enxutas e
eficientes, acabam sendo transferidos para fornecedores e clientes. Disso
resulta uma situação aparentemente ambígua, onde o desenvolvimento tecnológico
e operacional é verificado em concomitância à redução no retorno dos
investimentos.
O constante
aprimoramento da eficácia operacional é imprescindível para a consecução da
rentabilidade superior. No entanto, em geral, não é o bastante. Com base apenas
na eficácia operacional, poucas empresas
competem com êxito durante períodos mais prolongados, enfrentando dificuldades
cada vez maiores em manter-se à frente dos rivais. A causa mais óbvia desta
situação é a rápida proliferação de práticas melhores. Os concorrentes
conseguem imitar com rapidez as técnicas gerenciais, as novas tecnologias, as
melhorias nos insumos e as formas superiores de atender às necessidades dos
clientes. As soluções mais genéricas – aquelas utilizáveis em vários ambientes
– são as de mais rápida difusão. Veja a disseminação das técnicas de EO [Eficácia Operacional], acelerada pelo apoio das consultorias.
(Porter, 1999, p. 50)
No limite desse processo chega-se a uma situação de
commoditização de produtos, serviços
e também de processos. Apesar dos produtos serem disponibilizados com maior
eficiência e qualidade, os rendimentos são decrescentes. Dessa forma é
intensificado o movimento de fusões e aquisições. Sem fôlego para sustentar a
pressão competitiva, resta aos participantes do setor procurar diminuir o
número de concorrentes e auferir maiores ganhos resultantes de economia de
escala. Porém, isso não significa a resolução do problema, apenas a postergação
para um cenário com menor número de concorrentes e maiores estruturas,
onde fatores de entorno (como legislação
e políticas públicas) terão um maior impacto frente o ambiente de atuação das
organizações.
Entendo que essa reformulação teórica proposta por
Porter acaba por desautorizar a teoria das estratégias competitivas genéricas. O
cenário que o próprio autor enfatiza, como decorrente da ausência de estratégias,
pode ser entendido como consequência da opção por uma das três estratégias
genéricas que defende (liderança em custo, diferenciação e enfoque). Afinal, a
simples escolha de uma estratégia genérica é algo que pode ser suplantado por
concorrentes mais eficientes seguindo o mesmo tipo de estratégia. É preciso
algo mais.
Após uma
década de ganhos impressionantes na eficácia operacional, muitas empresas estão
enfrentando retornos decrescentes. A melhoria contínua foi incutida nos cérebros dos gerentes. Mas, de
modo inadvertido, as ferramentas estão arrastando as empresas em direção à
imitação e à homogeneidade. Gradualmente, os gerentes permitiram que a eficácia
operacional suplantasse a estratégia. O resultado é uma competição de soma
zero, com preços estratégicos ou declinantes e pressões de custo que
comprometem a capacidade das empresas de investir no longo prazo do negócio. (Porter, 1999, p. 52)
Portanto, para fugir desse ciclo, Porter defende
que as empresas devem considerar a efetividade operacional como pressuposto, e
não fim, de sua estratégia de atuação. Essa percepção acaba por tornar mais
importante o planejamento estratégico, prática que tem muitas restrições em sua
efetividade, diante da mudança constante de cenários e disponibilidade de
informações. Além disso, historicamente o planejamento estratégico apresenta
efetividade contestável na prática da administração, embora sua necessidade
seja sempre reconhecida.
Isto posto, Porter apresenta um modelo pelo qual a
estratégia se define pela análise da adequação da estrutura operacional da
organização ao mercado no qual pretende atuar. Nesse processo, a organização
faz trade-offs, isto é, seleciona seu
escopo de atuação, com o qual passa a concentrar suas forças, em detrimento de
outros nichos de mercado com o qual sua propensão a gerar vantagens
competitivas seria menor.
Assim, a vantagem competitiva advém não mais da
concentração em torno de atividade-fim, como levava a pressupor o modelo das
estratégias genéricas, mas sim da interação das várias atividades da
organização e da sinergia entre elas, num modelo onde cada uma dessas
atividades constituiu um elemento essencial para o todo. Dessa forma, maiores
retornos são obtidos pelo fato de ser muito difícil, ou quase impossível, aos
concorrentes copiar totalmente o sistema de atuação de uma organização - e
embora alguns elementos possam de fato serem copiados, a diferenciação
continua, já que a eficiência da organização em atender seu mercado é dada pela
composição da interação dessas atividades particulares. Como exemplo, a figura
a seguir apresenta o mapeamento do sistema de atividades do varejista de móveis
Ikea:
Nessa concepção de estratégia competitiva, Porter
ainda distingue três formas básicas de atuação: (1) o posicionamento baseado na
variedade, (2) o baseado nas necessidades e (3) o posicionamento baseado no acesso.
Posicionamento baseado na variedade diz respeito à oferta
de variedade de produtos e serviços. Os produtos oferecidos pela organização
têm um caráter de uso mais geral por parte dos consumidores, não correspondendo
de fato ao atendimento de todas as suas necessidades específicas. Cita como
exemplos uma empresa especializada em lubrificação de automóveis (Jiffy Lube) e outra que se concentra em
investimentos financeiros variáveis, com base no menor risco e baixo custo (Vanguard Group).
Já o posicionamento baseado nas necessidades diz
respeito à concentração de esforços tendo como objetivo um determinado segmento
de mercado:
Surge quando
há um grupo de clientes com necessidades diferenciadas e quando um conjunto de
atividades sob medida é capaz de satisfazer melhor a essas necessidades. Alguns
grupos são mais sensíveis ao preço que outros, demandam diferentes
características de produtos e necessitam de quantidades variáveis de
informações, suporte e serviços. Os clientes da Ikea são um bom exemplo de um desses
grupos. A Ikea procura satisfazer à totalidade das necessidades de mobílias
domésticas dos clientes-alvo, e não apenas a um subconjunto dessas necessidades. (Porter, 1991, p. 60)
O posicionamento baseado no acesso constitui casos
menos comuns, onde a oferta do produto ao cliente sofre restrições de acesso,
causada, por exemplo, devido a fatores geográficos ou do porte do cliente (Porter
cita o exemplo da Carmike Cinemas,
que só administra cinemas em cidades inferiores a 20.000 habitantes).
Necessário frisar que, em qualquer das modalidades,
a configuração do melhor sistema de atividades (como exposto no exemplo da
figura 2) mostra-se essencial para se alcançar vantagens competitivas e, por
conseguinte, retornos sustentáveis para manutenção e evolução do negócio. Com
base nessa análise, Porter define o conceito de estratégia:
“O que é
Estratégia?” Estratégia é criar uma posição exclusiva e valiosa, envolvendo um
diferente conjunto de atividades. Se houvesse apenas uma única posição ideal,
não haveria necessidade de estratégia. As empresas enfrentariam um imperativo
simples – ganhar a corrida para descobrir e se apropriar da posição única. A
essência do posicionamento estratégico consiste em escolher atividades
diferentes daquelas dos rivais. Se os mesmos conjuntos de atividades fossem os
melhores para produzir todas as variedades de produtos, para satisfazer a todas
as necessidades e para ter acesso a totalidade dos clientes, as empresas
simplesmente se alternariam entre eles e a eficácia operacional determinaria o
desempenho.
(Porter, 1999, p. 63)
Diante dessa definição, Porter defende que o modelo
de estratégias genéricas não deve ser abandonado, sendo que o novo modelo com
critérios de posicionamento vem a incrementar os pontos falhos daquele: “Os critérios de posicionamento –
variedades, necessidades e acesso – erguem a compreensão das estratégias
genéricas para um nível mais elevado de especificidade.” (Porter, 1999, p.
63)
Entendo, porém, que a nova análise de Porter torna
desnecessário o modelo anterior, de vantagens competitivas genéricas. Estratégia,
no contexto de posicionamento de mercado, é modelo explicativo superior e não
depende da prévia adoção de uma estratégia genérica, muito menos de
planejamento estratégico formal, pois explica o sucesso de uma organização
diante da adequação da interação de suas atividades junto às demandas de
mercado, o que está mais de acordo com o observado na realidade empresarial.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
Porter, Michael. Competição. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
Excelente postagem.
ResponderExcluir