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27 de nov. de 2012

Apontamentos Sobre a Economia Japonesa


O sucesso do Japão nos mercados internacionais, com produtos competitivos em preço e qualidade (embora atualmente a competição por preço seja especialidade da China), trouxe a atenção do Ocidente para o modelo operacional japonês. Com o incentivo de associações empresariais norte-americanas, as técnicas gerenciais foram copiadas e adaptadas.
A ascensão japonesa na década de 1970 e sua consolidação nos anos 1980, não teve prosseguimento a partir dos anos 1990. Prejudicada pela apreciação do yen, pela crise financeira, pela estagnação econômica e pelo real ganho de competitividade das empresas do Ocidente, a estrutura industrial japonesa perdeu muito de sua atração no que se refere à busca de aperfeiçoamento gerencial.
A bolha estourou no início de 1990, com o mercado de ações perdendo a metade do seu valor em apenas alguns meses. Se os bancos e as companhias de seguros tivessem sido forçados a reduzir a valores realistas as suas ações e hipotecas, teria havido um colapso financeiro em massa. Em vez de organizar uma retirada administrada e controlada – semelhante àquela que os americanos fizeram com os empréstimos a países latino-americanos e as hipotecas -, o Japão está fingindo que os prejuízos nunca ocorreram. Na primavera de 1993, as compras maciças de ações e bônus pelo governo responderam por um terço do total  de compras na Bolsa de Valores de Tóquio. A linha oficial é que os mercados "devem" subir tão logo a economia se recupere, permitindo que o governo venda seus papéis e até tenha lucro. Mas isso nunca funcionou. A própria existência desses papéis em poder do governo limita o mercado. E cada dia que se passa sem que a realidade financeira seja encarada torna o problema menos tratável, mais controverso e politicamente corrosivo. (Drucker, 1999, p. 166)
Pode-se dizer que o desenvolvimento das técnicas gerenciais conhecidas como Gestão da Qualidade Total é fruto do processo de difusão de inovações das vantagens competitivas levadas a cabo pela economia japonesa em seu processo de recuperação, depois da II Guerra Mundial, e orientação para exportação.
De seu lado, o Ocidente teve sucesso na adaptação e desenvolvimento dessa técnicas, embora não sem registrar fracassos. E esse processo é fomentado ainda pelo fato de o desenvolvimento da tecnologia da informação e dos novos meios de comunicação e negócio (Internet, telecomunicações, software, biotecnologia) estar centrado no Ocidente. A década de 1990 marca, assim, uma resposta do Ocidente ao desafio japonês.
O nervosismo japonês com relação à inovação e internacionalização parece refletir um fracasso, não apenas de líderes empresariais específicos, mas também da abordagem japonesa à liderança como um todo. O culto ao consenso funcionava bem quando a economia japonesa estava crescendo 10% ao ano. Mas a economia estagnada está testando a capacidade dos chefes de tomar decisões difíceis. Eles precisam se livrar do excesso de funcionários (ou pelo menos aposentá-los precocemente) e resolver em que linha de negócios devem se concentrar. A concorrência de empresas ocidentais com rígida administração significa que as empresas japonesas precisam ser capazes de tomar decisões com rapidez. Agora que o Japão está se envolvendo cada vez mais com o resto do mundo, através de joint-ventures e operações no estrangeiro, os gerentes japoneses não podem mais se basear em um processo decisório que só é compreensível para seus colegas japoneses. (Micklethwait, Wooldridge, 1998, p. 217)
Não se deve desconsiderar os aspectos singulares da economia japonesa e sua política empresarial, não tão voltada para a maximização do lucro e consumo como ocorre nos EUA.
Se for feita a mesma pergunta a empresas japonesas [sobre prioridades em termos de atender seus vários públicos], a ordem de atendimento é inversa [à das empresas americanas] – empregados em primeiro lugar, clientes em segundo, e acionistas em terceiro. “As metas da companhia serão crescimento e longevidade, a lucratividade aparecendo num distante terceiro lugar na lista de prioridades. Os acionistas independentes não ocupam uma boa posição na lista de prioridades de atendimento da companhia [...] Os gerentes japoneses representam os interesses de toda a coalizão de acionistas e de não acionistas ou grupos isolados.” (Thurow, 1993, p. 160)
Esse quadro deve ser observado como um pacto social japonês, onde há defesa de um mercado fechado mesmo quando os produtos do exterior são mais baratos, onde é menor a propensão ao consumo (quando em comparação com as economias de outros países industrializados) e do fato das empresas japonesas registrarem lucros inferiores aos seus concorrentes estrangeiros.
A propensão do Japão a importar bens manufaturados de outros países desenvolvidos é um quarto da propensão dos Estados Unidos e um doze avos em relação à Alemanha. Dependendo do estudo, as importações japonesas situam-se de 25% a 45% abaixo do que seria de esperar considerando-se as circunstâncias do Japão. As diferenças de preços que não deveriam existir num mercado global existem. Os preços de produtos comerciáveis são 86% mais altos no Japão do que os preços desses mesmos produtos nos Estados Unidos. Teoricamente, pode-se ganhar muito dinheiro comprando-se produtos nos Estados Unidos e vendendo-os no Japão. Entretanto, no Japão, ninguém se aproveita dessas oportunidades de grandes lucros. Os estrangeiros que tentam fracassam. (Thurow, 1993, p. 136)
(...)
Grande parte do sucesso japonês face à crescente valorização do iene deve ser atribuída à sua disposição de aceitar menores lucros. Embora certamente tenham trabalhado para se tornar mais eficientes, companhias como a Matsushita e a Hitachi não hesitam em cortar os seus lucros pela metade, a fim de permanecerem competitivas. Os lucros da Matsushita em termos de percentuais de vendas caíram mais de 12% no início da década de setenta para 7 a 8% no final dos anos oitenta. Os lucros da Hitachi caíram da faixa de 11 a 12% para a faixa de 6 a 7%. (Thurow, 1993, p. 152)
(...)
Numa relação das 50 maiores companhias do mundo em função de seus lucros, 18 são americanas, apenas três são japonesas, quatro são alemãs e 11 são inglesas. Se analisarmos a taxa de retorno de equidade dos acionistas, as empresas americanas entre as 50 maiores recebem 13,3%, ou 50% mais do que os 9,1% recebidos pelas empresas japonesas entre as 50 maiores. Objetivamente, as empresas americanas são mais orientadas para o lucro do que as japonesas.
Da mesma forma, se relacionarmos os bancos mundiais pelo volume de seus ativos, nove dos dez maiores bancos do mundo são japoneses; nenhum é americano. Entretanto, se os bancos forem classificados segundo o retorno de equidade, seis dos dez mais lucrativos bancos do mundo são americanos; nenhum é japonês. (Thurow, 1993, p. 168)
Apesar disso, não se pode desconsiderar a capacidade histórica do Japão em superar dificuldades, nem seu alto grau de desenvolvimento econômico. No entanto, cabe indagar sobre a influência dessas características econômico-sociais do Japão no fato do país se encontrar em longo período de estagnação econômica e ainda sem perspectiva de reversão da situação.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
DRUCKER, Peter. Administrando em Tempos de Grandes Mudanças. São Paulo: Pioneiras, 1999.
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
THUROW, Lester C. Cabeça a Cabeça: a batalha econômica entre Japão, Europa e Estados Unidos. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

9 de nov. de 2012

Algo Sobre a Cultura Laboral no Japão


Após a II Guerra Mundial, por pressão da força de ocupação americana, foram instituídas leis trabalhistas rígidas no Japão dificultando a demissão de funcionários e estabelecendo o emprego vitalício (prática já conhecida na sociedade japonesa desde o início de sua industrialização). O objetivo das medidas era reduzir ao máximo o desemprego, evitando maior caos social no processo de reconstrução do país (e, talvez, também melhorar a imagem dos americanos frente à população).


Contudo, é necessário frisar que o sistema japonês de evolução salarial por senioridade (trabalhador mais antigo, em mesma função, recebe mais que trabalhador mais recentemente contratado), o incentivo à resolução de problemas em equipe (os outrora famosos "Círculos de Controle de Qualidade") e o papel ativo da companhia na vida social do indivíduo, não constituem necessariamente um sistema harmônico. Antes, o Japão é caracterizado, em comparação com os ideais do ocidente, como uma sociedade rígida e hierarquizada, limitadora das aptidões individuais, repulsiva à iniciativa e criatividade e discriminatória em relação às mulheres e estrangeiros.
(...) As pressões de uma sociedade que enfatiza a harmonia acima de tudo podem pesar seriamente sobre indivíduos isolados, especialmente sobre os talentosos (...) No caso do Japão, a maior parte dos danos permanece invisível. Há perda de criatividade, sufocamento dos sentimentos da pessoa, o tributo pago às mediocridades altamente colocadas, a brecha que às vezes se abre sinistramente entre o que os japoneses chamam de tatemae, ou aparência desejada das coisas, e as honne, as condições reais, o pensamento real, os motivos que cada um realmente tem. Vivendo e trabalhando no Japão, o indivíduo se sente às vezes como um ator num drama estilizado Kabuki, encenando dentro de uma estufa. No fim, mesmo o estrangeiro, ainda que bem gradualmente, acaba por viver o papel. Não há maneira de escapar. (Gibney, 1982, p. 28)
Em relação ao emprego vitalício, sua prática é contestável, nunca chegando a ser totalmente difundida entre as empresas e regulamentada formalmente, sendo produto de consenso entre lealdade à empresa em troca de garantia de emprego.
Convém frisar, todavia, que somente uns 30% da força-de-trabalho japonesa – aqueles empregados nas grandes corporações – se beneficiam [do sistema de senioridade] (...) e 98% das empresas japonesas não oferecem "emprego por toda vida". (Rattner, 1987, p. 25)
Por outro lado, no Japão, a mudança de emprego é desestimulada. Primeiro porque a senioridade é contada a partir da data de entrada no emprego. Normalmente, quem sai de um trabalho e consegue emprego em outra empresa começa com o mais baixo salário. Segundo porque a prática de mudança de organização é socialmente mal vista, pois quem deixa um emprego é considerado como pessoa pouco confiável.
Não é de se esperar que dedicar toda a vida profissional a uma única organização seja suficiente para satisfazer as inspirações pessoais de determinada profissão, o que acaba tolhendo a criatividade e iniciativa individual, gerando indivíduos oprimidos e frustrados.
Em 1995, pela primeira vez, os japoneses questionados em uma pesquisa anual realizada pelo Ministério do Trabalho, declararam que a satisfação profissional era mais importante do que a lealdade à empresa (...) Trabalhadores de meio expediente e temporários já constituem  mais de um quarto da força de trabalho japonesa. (Micklethwait, Wooldridge, 1998, p. 157)
Também é questionável a informação que nas corporações japonesas, apesar de inseridas numa sociedade hierárquica e tradicional, as decisões sejam balizadas pelo consenso em grupo:
Quanto ao processo decisório baseado em consenso, na realidade, alguém toma a iniciativa e os outros endossam sua posição ou proposta. Embora considerem que todos participam do processo em pé de igualdade, de fato poucos ousariam manifestar uma opinião minoritária ou discordante. A necessidade de se preservar a harmonia do grupo leva indivíduos a ocultar sua “honne” ou sentimento verdadeiro, revelando apenas a máscara ou "tatemae”, alinhado com os outros. (Rattner, 1987, p. 27)
Assim, contrapõe-se a ideia arraigada que as práticas japonesas de gestão possam ser transplantadas para outras economias e que, por si só, explicariam o sucesso do país nas décadas de 1970 e 80.
Na verdade, devemos compreender esse modelo de relação de trabalho como fruto das características históricas e culturais próprias da sociedade japonesa, em sua adaptação ao sistema capitalista, do que como um paradigma para referência em administração (como se tentou fazer quando a economia japonesa estava no auge).
O modelo japonês, sem levar em consideração esses aspectos, somente resultaria em efetividade em alguns processos técnicos e operacionais, não sendo correto supor que suas técnicas de gestão sejam de fato mais evoluídas ou que possam ser absorvidas pelo ocidente sem necessário questionamento e adaptação.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
GIBNEY, Frank. Milagre Bem Planejado. São Paulo: Record, 1982.
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
RATTNER, Henrique. Política Industrial no Japão: tendências e perspectivas. 1987. 33 p. Texto de discussão 01/87, Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo.