Após a II Guerra Mundial, por
pressão da força de ocupação americana, foram instituídas leis trabalhistas
rígidas no Japão dificultando a demissão de funcionários e estabelecendo o
emprego vitalício (prática já conhecida na sociedade japonesa desde o início de
sua industrialização). O objetivo das medidas era reduzir ao máximo o desemprego,
evitando maior caos social no processo de reconstrução do país (e, talvez,
também melhorar a imagem dos americanos frente à população).
Contudo, é necessário frisar que o
sistema japonês de evolução salarial por senioridade (trabalhador mais antigo,
em mesma função, recebe mais que trabalhador mais recentemente contratado), o
incentivo à resolução de problemas em equipe (os outrora famosos "Círculos
de Controle de Qualidade") e o papel ativo da companhia na vida social do
indivíduo, não constituem necessariamente um sistema harmônico. Antes, o Japão
é caracterizado, em comparação com os ideais do ocidente, como uma sociedade
rígida e hierarquizada, limitadora das aptidões individuais, repulsiva à
iniciativa e criatividade e discriminatória em relação às mulheres e
estrangeiros.
(...) As pressões de uma sociedade que enfatiza a harmonia acima de tudo
podem pesar seriamente sobre indivíduos isolados, especialmente sobre os
talentosos (...) No caso do Japão, a maior parte dos danos permanece invisível.
Há perda de criatividade, sufocamento dos sentimentos da pessoa, o tributo pago
às mediocridades altamente colocadas, a brecha que às vezes se abre
sinistramente entre o que os japoneses chamam de tatemae, ou aparência desejada das coisas, e as honne, as condições reais, o pensamento real, os motivos que cada um
realmente tem. Vivendo e trabalhando no Japão, o indivíduo se sente às vezes
como um ator num drama estilizado Kabuki, encenando dentro de uma estufa. No
fim, mesmo o estrangeiro, ainda que bem gradualmente, acaba por viver o papel.
Não há maneira de escapar. (Gibney, 1982, p. 28)
Em relação ao emprego vitalício, sua
prática é contestável, nunca chegando a ser totalmente difundida entre as
empresas e regulamentada formalmente, sendo produto de consenso entre lealdade
à empresa em troca de garantia de emprego.
Convém
frisar, todavia, que somente uns 30% da força-de-trabalho japonesa – aqueles
empregados nas grandes corporações – se beneficiam [do sistema de senioridade]
(...) e 98% das empresas japonesas não
oferecem "emprego por toda vida". (Rattner, 1987, p. 25)
Por outro lado, no Japão, a mudança de emprego é
desestimulada. Primeiro porque a senioridade é contada a partir da data de entrada
no emprego. Normalmente, quem sai de um trabalho e consegue emprego em outra
empresa começa com o mais baixo salário. Segundo porque a prática de mudança de
organização é socialmente mal vista, pois quem deixa um emprego é considerado
como pessoa pouco confiável.
Não é de se esperar que dedicar toda
a vida profissional a uma única organização seja suficiente para satisfazer as
inspirações pessoais de determinada profissão, o que acaba tolhendo a
criatividade e iniciativa individual, gerando indivíduos oprimidos e
frustrados.
Em 1995, pela primeira vez, os japoneses questionados em uma pesquisa
anual realizada pelo Ministério do Trabalho, declararam que a satisfação
profissional era mais importante do que a lealdade à empresa (...)
Trabalhadores de meio expediente e temporários já constituem mais de um quarto da força de trabalho
japonesa. (Micklethwait,
Wooldridge, 1998, p. 157)
Também é questionável a informação
que nas corporações japonesas, apesar de inseridas numa sociedade hierárquica e
tradicional, as decisões sejam balizadas pelo consenso em grupo:
Quanto ao processo decisório baseado em consenso, na realidade, alguém
toma a iniciativa e os outros endossam sua posição ou proposta. Embora
considerem que todos participam do processo em pé de igualdade, de fato poucos
ousariam manifestar uma opinião minoritária ou discordante. A necessidade de se
preservar a harmonia do grupo leva indivíduos a ocultar sua “honne” ou sentimento
verdadeiro, revelando apenas a máscara ou "tatemae”, alinhado com os
outros. (Rattner,
1987, p. 27)
Assim, contrapõe-se a ideia
arraigada que as práticas japonesas de gestão possam ser transplantadas para
outras economias e que, por si só, explicariam o sucesso do país nas décadas de
1970 e 80.
Na verdade, devemos compreender esse
modelo de relação de trabalho como fruto das características históricas e
culturais próprias da sociedade japonesa, em sua adaptação ao sistema
capitalista, do que como um paradigma para referência em administração (como se
tentou fazer quando a economia japonesa estava no auge).
O modelo japonês, sem levar em
consideração esses aspectos, somente resultaria em efetividade em alguns
processos técnicos e operacionais, não sendo correto supor que suas técnicas de
gestão sejam de fato mais evoluídas ou que possam ser absorvidas pelo ocidente
sem necessário questionamento e adaptação.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
GIBNEY, Frank. Milagre Bem Planejado. São Paulo: Record, 1982.
MICKLETHWALT,
John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
RATTNER, Henrique. Política Industrial no Japão: tendências e
perspectivas. 1987. 33 p. Texto de discussão 01/87, Faculdade de Economia e Administração,
Universidade de São Paulo.