Robert Reich, no excelente livro "O Trabalho das
Nações", destaca que as fronteiras nacionais, não são mais plenamente
definíveis e limitadas, inclusive no que diz respeito ao mercado de trabalho. O
estabelecimento de barreiras tarifárias e práticas protecionistas pode agir
mesmo em sentido contrário à dinâmica econômica, pois a riqueza das nações não
se define mais apenas pela valoração de bens econômicos, mas pela agregação de
conhecimento, pela capacidade de trabalho da nação em interação com a economia
internacional.
Michael Porter também comunga de pensamento
semelhante:
De acordo
com a teoria econômica consagrada, os fatores de produção – mão-de-obra,
território, recursos naturais, capital e infra-estrutura – determinarão o fluxo
de comércio. O país exportará as mercadorias que mais utilizam os fatores de
que é melhor dotado. Essa doutrina, cujas origens remontam a Adam Smith e David
Ricardo, e que impregna a economia clássica, é, na melhor das hipóteses,
incompleta, e na pior das hipóteses, incorreta.
Nos setores
sofisticados, que constituem a espinha dorsal de qualquer economia avançada, o
país não herda, mas, ao contrário, cria os mais importantes fatores de produção
– como recursos humanos qualificados ou base científica. Ademais, o estoque de
fatores do país num determinado momento é menos importante do que a velocidade
e a eficiência com que os gera, aprimora e distribui entre os diferentes
setores. (Porter, 1999, p. 184)
Porter observou ainda os efeitos negativos de
políticas protecionistas, destacando a importância de manutenção de um ambiente
competitivo:
A regulamentação
da concorrência, através de políticas como a preservação de situações de
monopólio, o controle da entrada nos setores ou a fixação de preços, apresenta
duas consequências muito negativas: inibe a rivalidade e a inovação, à medida
que as empresas se concentram no relacionamento com os reguladores e na
proteção das atuais posições; e torna o setor menos dinâmico e desejável, como
comprador ou fornecedor. No entanto, a desregulamentação e a privatização em si
não são bem sucedidas sem uma rivalidade doméstica vigorosa – o que requer,
como corolário, uma política forte e consistente de defesa da concorrência. (Porter,1999, p. 202)
Nessa ordem econômica internacional, as relações de
trabalho também sofrem acentuada mutação. A competitividade das nações não se
determina mais a partir de uma classe trabalhadora industrial produzindo bens a
serem comercializados. Com o acirramento da concorrência e a
internacionalização dos mercados, o desenvolvimento tecnológico propiciando
cada vez mais alta produtividade e qualidade na fabricação de produtos torna-se
fator fundamental na busca por vantagens competitivas.
No entanto,
ao considerar a globalização da competição, é preciso enfrentar um aparente
paradoxo: embora as empresas de fato se envolvam na competição global e ainda
que os insumos como matérias-primas, capital e conhecimento científico agora se
movimentem com liberdade por todo o mundo, são fortes as evidências no sentido
de que a localidade continua a desempenhar um papel crucial na vantagem
competitiva. Primeiro, persistem as diferenças marcantes no desempenho
econômico dos países, e dos estados e cidades dentro deles. Segundo, numa vasta
gama de setores, os principais competidores do mundo estão localizados em um ou
dois países. Essa tendência é sobremodo acentuada se o setor é definido de
forma mais restrita, em termos significativos para o estabelecimento da
estratégia, e quando se excluem os setores em que as políticas governamentais
distorcem a competição. Essa concentração geográfica da estratégia competitiva
aparece não apenas nos setores tradicionais, como os de automóveis e de
máquinas-ferramentas, mas também em novos setores, como o de software,
biotecnologia e materiais avançados. Terceiro, as empresas globais de fato
dispersam as atividades por muitos países, mas continuam a concentrar numa
única localidade a massa crítica das suas atividades mais importantes para a
competição em cada uma das suas principais linhas de produtos ou áreas de
negócios. No entanto, curiosamente, essas "bases domésticas", como as
denomino, não se localizam todas no país de origem ou sequer no mesmo país. (Porter, 1999, p. 327)
Nesse contexto, Reich caracteriza o trabalho segundo
três estamentos básicos: serviços rotineiros de produção, serviços pessoais e
serviços simbólico analíticos.
Entende por serviços rotineiros de produção os
trabalhos relacionados à manufatura, à indústria, à confecção de bens, de
produtos físicos. É o que restou da Primeira Revolução Industrial, não sendo
mais o setor que absorve a maior parte da força de trabalho, dados os ganhos de
produtividade registrados ao longo das últimas décadas.
Por serviços pessoais, entende as atividades
relacionadas à área de serviços, atualmente mais preponderante em termos de
geração de empregos.
Acima dessas categorias de trabalho, concentrando e
direcionando as decisões (e absorvendo a maior parte dos ganhos), estão os
chamados serviços simbólico analíticos, que englobam atividades com
características de maior especialização e qualificação, responsabilidade e comando
(trabalhos ligados a solução e identificação de problemas, consultoria,
gerenciamento, marketing, etc.).
São os indivíduos que compõe a classe dos analistas
simbólicos que, no modelo de Reich, capitaneiam o desenvolvimento econômico das
nações, através de um círculo virtuoso do trabalho e do conhecimento:
Uma força de
trabalho inteligente e capacitada para realizar tarefas complexas, e que
consegue transportar com facilidade os frutos de seu trabalho para a economia
global, fatalmente atrairá dinheiro para si. A atração pode se desenvolver
dentro de um virtuoso relacionamento: profissionais bem treinados e
infra-estrutura moderna atraem teias empresariais globais, que investem e
proporcionam a esses profissionais funções consideravelmente recompensadoras;
por sua vez, essas funções geram mais treinamento em operação e mais
experiência, criando assim um poderoso atrativo para outras teias globais. À
medida que as aptidões aumentam e a experiência acumula-se, os cidadãos de um
país agregam valores cada vez mais altos à economia mundial, merecendo
crescentes compensações e elevando seu padrão de vida. (Reich, 1994, p. 248)
Peter Drucker também havia considerado sobre a
crescente importância do trabalho firmado no conhecimento, tendo observado a
respeito:
Uma
sociedade dominada por trabalhadores do conhecimento está sob ameaça de um novo
conflito de classes: entre a grande minoria dos trabalhadores do conhecimento e
a maioria das pessoas que ganha a vida à maneira tradicional, seja pelo
trabalho manual, qualificado ou não, seja em serviços, também qualificados ou
não. A produtividade do trabalho do conhecimento – ainda muito baixa – irá se
tornar o desafio econômico da sociedade do conhecimento. Dela dependerá a
posição competitiva de cada país, indústria ou instituição da sociedade. A
produtividade do trabalhador em serviços, sem conhecimento, será o desafio
social da sociedade do conhecimento. Dela dependerá sua capacidade para dar
rendas decentes e, com elas, dignidade e posição social aos trabalhadores sem
conhecimento. (Drucker, 1999, p.
201)
Desta maneira, para geração de riqueza e bem-estar
econômico, mostra-se fundamental a capacitação de trabalhadores qualificados,
que agregam valor às teias econômicas que interagem no cenário global.
Os últimos
quarenta anos da economia mundial renderam uma outra lição a respeito do que
funciona: investimentos no exterior não "exportam empregos", ao
contrário, criam empregos no mercado doméstico. Deveríamos ter aprendido isto
com o desempenho dos EUA nos anos 60. Quando as multinacionais americanas
expandiram rapidamente seus investimentos – na França, na América do Sul, no
Japão – a economia doméstica criou empregos rapidamente. E quando, nos anos 80,
as multinacionais americanas voltaram a fazer grandes investimentos no
exterior, particularmente na Europa – mais uma vez a taxa de emprego doméstica
cresceu depressa. O mesmo vale para o Japão, onde, como já dissemos, os
empregos criados pelos investimentos em rápida expansão no leste da Ásia – com
pesados investimentos em fábricas que produzem bens para o mercado japonês –
não destruíram empregos, mas os salvaram em grandes números. Vale igualmente
para a Suécia, que, de todos os países industrializados, foi o que mais
investiu em fábricas no exterior.
A razão é o
comércio institucional gerado por esses investimentos. Em manufatura – e em
muitos serviços, tais como o varejo -, o investimento por trabalhador em
maquinário, ferramentas e equipamentos de uma nova fábrica é de três a cinco
vezes a produção anual. (Drucker, 1999,
p. 132)
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
DRUCKER, Peter. Administrando
em Tempos de Grandes Mudanças. São Paulo: Pioneira, 1999.
PORTER, Michael. Competição.
Rio de Janeiro: Campus, 1999.
REICH, Robert. O
trabalho Das Nações. São Paulo: Educator, 1994.