O trabalho é fundamental para a inserção do indivíduo
na sociedade, podendo ser fonte de realização e de inquietação. É pela
realização do trabalho que os indivíduos se ligam às organizações, de onde se
destaca sua importância para o estudo de administração, como enfatiza Peter
Drucker:
[...] A
empresa (ou qualquer outra instituição) tem, na verdade, apenas um recurso: o
homem. Ela funciona tornando os recursos humanos produtivos. Só há desempenho
através do trabalho. Tornar o trabalho produtivo é, portanto, uma função
essencial. Mas, ao mesmo tempo, as instituições da sociedade atual vão se
tornando cada vez mais os meios pelos quais os indivíduos buscam seu sustento,
encontram seu acesso a um status social, à comunidade e à satisfação e
realização pessoal. Tornar o trabalhador realizado e empreendedor é,
consequentemente, cada vez mais importante, além de ser um parâmetro do
desempenho da instituição. E é cada vez mais uma tarefa da administração. (Drucker, 1997, p. 37)
Dentre os grandes desafios da administração, e da
sociedade atual, está a adequação do indivíduo e seu trabalho às novas
condições do meio econômico e tecnológico ora verificadas, conforme preocupação
de Alvin Toffler:
[...] fui
ficando gradualmente estarrecido de ver quão pouco se sabe na verdade sobre a
capacidade de adaptação, tanto pelos que provocam e criam grandes mudanças em
nossa sociedade, quanto pelos que supostamente nos preparam para lidar com
essas mudanças. Os intelectuais mais competentes
falam, com muita coragem, de "educar para mudar", ou "preparar
para o futuro". Mas não sabemos virtualmente nada sobre como fazê-lo. No
meio ambiente em mais rápida mutação a que o homem já se viu exposto,
continuamos em lamentável estado de ignorância sobre como o bicho-homem lida
com seus problemas. (Toffler, 19998,
p. 14)
Em complemento, cabe ainda indagar sobre os fatores
motivacionais relacionados ao trabalho, como exposto por Drucker:
Douglas
McGregor sistematizou a forma como os homens gerenciam o trabalho nas
organizações em duas concepções, às quais chamou de teoria X e Y. Por teoria X
ele define a administração do trabalho tradicional, que pressupõe a necessidade
de se vigiar as pessoas em suas funções, caso contrário, pelo fato de serem desinteressadas,
descomprometidas, desleixadas, elas fatalmente acabarão evitando trabalhar,
adotando formas de passar o tempo com o menor esforço. Assim, para trabalhar,
as pessoas precisam ser vigiadas e ter estímulos diretos, como por exemplo,
prêmios por produção ou pagamento com base em resultados pré-estabelecidos.
Historicamente, esta é a forma arraigada de lidar com o trabalho. Já por teoria
Y ele define a abordagem contrária, onde se pressupõe que os homens trazem em
si uma necessidade de contribuição, de realização pessoal, de sentirem-se úteis
para o grupo, para a sociedade, que gostam de ter responsabilidade. Em suma, a teoria X pressupõe que as pessoas
são imaturas e a teoria Y que elas querem ser adultas. (Drucker, 1997, p. 308)
Com a progressiva mudança no contexto do trabalho, a
abordagem sugerida pela teoria X encontra-se em decaimento. O capitalismo não
mais precisa supostamente expropriar o trabalhador do campo ou o artesão de
suas ferramentas e técnicas para poder dispor de uma mão-de-obra operária (se é
que tal entendimento realmente faz sentido, como discutido em outro texto - ver
aqui).
O avanço
tecnológico pressupõe indivíduos mais preparados intelectualmente, com maior
qualificação e disposição para aprendizado, de modo que a maior parte do
trabalho repetitivo pode ser feito, com vantagens, por máquinas.
Assim, não é de surpreender que entre psicólogos e
administradores predomine a abordagem calcada na teoria Y. De fato, autores que
tratam de temas como liderança, gerenciamento de equipes, ambiente de trabalho,
etc., que têm por base os fundamentos da teoria Y, vêm prosperando
continuamente no estudo de administração, mesmo que novas abordagens preservem
os mesmos fundamentos de modelos anteriores.
De qualquer maneira, em relação à concepção da teoria
X, a abordagem da teoria Y ou pelo menos sua aceitabilidade como pressuposto
necessário a um melhor ambiente organizacional, constitui uma evolução nas
relações de trabalho. Porém, entre uma e outra abordagem, a forma de lidar com
o indivíduo quase sempre continua a mesma, apenas muda-se o enfoque.
Anteriormente o controle físico do indivíduo na linha
de produção, através do estudo e cronometragem de movimentos e contagem do
número de peças produzidas, era o caminho para assegurar a produtividade do
trabalho. Atualmente, em virtude das novas necessidades tecnológicas e
gerenciais, a compreensão dos fatores psicológicos torna-se necessária como
forma de assegurar, de estimular, a disposição para o trabalho em busca de
maior produtividade. Ou seja, pressupõe-se, a partir da teoria Y, uma forma de
controle mais completa sobre o indivíduo, não se tratando mais meramente de seu
tempo de trabalho para execução de uma atividade pré-estabelecida, mas de criar
no pensamento do mesmo os fatores (a motivação) que o levarão a crer em sua
necessidade de contribuir para a organização da forma mais produtiva possível.
A maioria –
senão todos – dos autores contemporâneos sobre psicologia industrial professa
sua fidelidade à Teoria Y. Gostam de usar termos como “autorealização”,
“criatividade” e “homem completo”. Mas, na realidade, eles estão é falando e
escrevendo sobre controle através de manipulação psicológica. E são levados a
isso por seus próprios pressupostos básicos, que são precisamente os da Teoria
X: as pessoas são fracas, doentes e incapazes de cuidar de si mesmas. Vivem
atormentadas por medos, angústias, neuroses e inibições. No fundo, não querem
realizar nada, mas sim fracassar. Querem, portanto, ser controladas – não por
medo da fome, nem devido aos incentivos das recompensas materiais, mas sim pelo
seu medo de alienação psicológica e pelos incentivos da “segurança psicológica". (Drucker, 1997, p. 319)
Devemos então refutar completamente os pressupostos
da abordagem conhecida como teoria Y? Não necessariamente, mas são evidentes,
nas organizações, sinais de preconceito e determinismo que têm por base os
fundamentos da teoria Y. Isso se reflete mais claramente, por exemplo, em
questões como a chamada cultura organizacional, no relacionamento entre os
indivíduos na organização e na questão da liderança. Nesse sentido, usamos
novamente a abordagem de Peter Drucker, que, além do conhecimento teórico, traz
consigo a experiência no campo profissional:
Fala-se
muito atualmente que gostar das pessoas, ajudá-las a dar-se bem com elas são
qualificações de um “administrador”. Mas apenas isso não basta. Em qualquer
organização bem sucedida, existe sempre um chefe que não gosta das pessoas, não
ajuda ninguém e não se dá bem com indivíduo algum. Frio, desagradável e
exigente, esse chefe normalmente ensina e desenvolve mais pessoas do que
qualquer outro. Tipos como este frequentemente impõem mais respeito que
qualquer chefe simpático. Exigem um desempenho impecável de si mesmos e dos
seus subordinados. Estabelecem padrões elevados de conduta, e esperam que estes
sejam cumpridos por todos. Levam em conta somente o que está certo, nunca quem
está certo. E embora sejam eles próprios normalmente bastante brilhantes,
jamais colocam nos outros o brilhantismo intelectual acima da integridade. O
administrador que não possuir essas qualidades de caráter – por mais simpático,
prestativo ou cordial, e por mais competente e brilhante que possa ser – é uma
ameaça e deve ser considerado como “incapaz de ser um Administrador com A
maiúsculo”. (Drucker, 1997, p. 71)
Mais que isso, a passagem seguinte questiona o
sentido da própria discussão sobre o papel de um líder:
[...] Mesmo
o mais poderoso presidente da maior companhia é desconhecido do público. Na
realidade, mesmo a maioria dos empregados da casa mal conhecem seu nome e não o
reconheceriam se o vissem pessoalmente. Talvez tenha chegado à posição que
ocupa inteiramente por mérito próprio e por ter mostrado uma atuação excelente.
Mas ele deve sua autoridade e prestígio totalmente à sua instituição. Todos
conhecem a GE, a Companhia Telefônica, a Mitsubishi, a Siemens e a Unilever.
Mas quem dirige estas grandes companhias – ou quem dirige a University of
California, a École Polytechnique e o Guy’s Hospital de Londres – é do interesse
direto apenas do grupo administrativo destas instituições.
Logo, não
faz o menor sentido falarmos em administradores como líderes. Eles são “membros
do grupo de liderança”. E este grupo ocupa, de fato, uma posição de destaque,
proeminência e autoridade. Consequentemente, tem responsabilidade. (Drucker, 1997, p. 399)
Fica entendido que a maneira de compreender a
administração das empresas e o papel do trabalho hoje está impregnada de falsos
juízos de valor. O ambiente de transformação que atravessamos, onde mesmo o
papel de muitas profissões está sendo definitivamente contestado, bem como a
atuação das organizações, torna os impactos de uma ou outra concepção menos
definidos. Isso permite que já se desenvolva, muitas vezes a partir dos
próprios fundamentos da teoria Y, uma nova abordagem à relação entre
organizações, indivíduos e trabalho. Começa a ser percebido que não é o
convencimento psicológico, a persuasão, ou a liderança, que estarão por trás do
almejado incremento da produtividade do trabalho que tem por base a
qualificação intelectual (o trabalho do conhecimento), mas sim uma nova postura
calcada no desenvolvimento da criatividade, do livre pensar, de uma concepção
de pensamento sem as mesmas restrições impostas pelos parâmetros
organizacionais.
Esta é uma
filosofia herética hoje em dia, quando tantas companhias acreditam que o melhor
empregado é aquele que vive, bebe, come e dorme o emprego e a empresa. Na
experiência concreta, aquelas pessoas sem vida própria fora do emprego não são,
de fato, pessoas bem sucedidas, nem mesmo sob o ponto de vista da companhia. Já
observei um número excessivo deste tipo de pessoas que sobem muito feito um
foguete, por não terem outro interesse senão o emprego; por outro lado, elas
também caem feito a vara queimada do rojão. O indivíduo que prestará a maior
contribuição à empresa é o indivíduo maduro – e não existe amadurecimento se
não houver vida própria e interesses fora do trabalho. Algumas de nossas
grandes companhias estão começando a compreender isso. O fato de muitas delas
incentivarem seus funcionários a terem “interesses fora da firma” ou a
desenvolverem algum “hobby” como preparação para a aposentadoria é o primeiro
sinal de uma atitude mais inteligente. Mas o seu próprio interesse como
empregado, totalmente desvinculado do auto-interesse do empregador, exige que
você desenvolva um campo de interesse fora do trabalho. Isto o tornará mais
feliz, mais eficaz, aumentará sua resistência contra os reveses e desastres que
acontecem a todos; e o transformará num empregado mais eficaz, mais bem
sucedido e mais amadurecido.
(Drucker, 1997, p. 334)
Estaria, então, o ser humano acostumado ao frenesi
cotidiano, aos horários de turnos de trabalho, à ideologia egocentrista e materialista,
preparado a encarar o trabalho por outro enfoque e mesmo a considerar o
não-trabalho como uma atividade igualmente realizadora e importante em sua
formação pessoal, profissional, ao seu papel social? Provavelmente não, nem
mesmo as organizações e a sociedade, ainda. Mas, começam a ser viabilizados os
meios para que o homem se livre da dependência do fator fixo de produção, da
adequação de suas habilidades às necessidades de operacionalidade técnica de um
trabalho, e que possa usar a tecnologia, de forma interativa, como elemento
para seu desenvolvimento pessoal, na relação com o trabalho e a sociedade. Isso
pelo menos enquanto não surgirem máquinas capazes de substituir o cérebro
humano.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
DRUCKER, Peter. Fator Humano e Desempenho. 3. ed. São
Paulo: Pioneira, 1997.
TOFFLER, Alvin. O
Choque do Futuro. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.