Questão recorrente no noticiário econômico diz
respeito ao nível de desemprego na economia. Na Europa, a taxa de desemprego
tem se mantido historicamente elevada. No Brasil também, embora os últimos
governos venham defendendo o contrário, utilizando-se de critérios
questionáveis. De modo similar, os EUA registram tradicionalmente baixo nível
de desemprego, mas com critério de avaliação que considera o trabalho parcial.
Indaga-se a seguir até que ponto o desemprego não
seria de certa forma estrutural, particularmente no que diz respeito ao setor
industrial, em decorrência do desenvolvimento tecnológico.
A qualidade
de bens produzidos está cada vez menos ligada à quantidade de trabalho humano
que os produtos incorporam e, sobretudo, à quantidade de trabalho executivo
fornecido pelos cidadãos do Primeiro Mundo. Isso determina, nos países ricos, o
fenômeno cada vez mais acentuado do "desenvolvimento sem trabalho",
como desemprego crescente. (De Masi,
1999, p. 24)
Nesse sentido, parece ser aceito com naturalidade a
existência de uma taxa de desemprego acima do que seria natural ou friccional (decorrente
da mudança de empregos e entrada de novos trabalhadores no mercado, quando numa
situação de pleno-emprego).
Uma questão
crítica para a política econômica é saber quando a economia está no pleno
emprego – com uma taxa de desemprego de 5%, 4% ou 6%? Os responsáveis pela
política econômica deveriam, deparados com uma taxa de desemprego de 6%, tentar
sustentar a demanda por crescimento acima da tendência de puxar o desemprego
para baixo? A questão surge em recuperações, uma vez que o desemprego tem
declinado de níveis recordes, e não há nunca uma resposta satisfatória. Alguns
argumentam que há um risco pequeno, se houver realmente, em puxar o desemprego
para baixo para um nível abaixo dos 5%. Na pior das hipóteses poderia haver um
aumento na inflação, mas mesmo isso pode não acontecer. Outros começam a se
preocupar assim que a taxa de desemprego cai para um nível abaixo dos 7%,
advertindo que a brusca aceleração da inflação é o resultado inevitável do
superaquecimento da economia com os mercados de trabalho apertados.
No início de
1986 a taxa de desemprego caiu abaixo dos 7% [nos EUA] e desde então a questão
de onde exatamente está o pleno emprego tem sido debatida. Não há uma resposta
correta única. Uma resposta pragmática é a de escolher uma marca. Esta
abordagem é algo arbitrária e é a mais aplicada com a utilização da década de
60 como ponto de referência [...]
(Dornbusch, Fischer, 1991, p. 647-648)
Dessa forma, a aceitabilidade de trabalhos
temporários, parciais ou específicos (por tarefas ou projeto, por exemplo) tende
a torna-se cada vez mais comum, enfraquecendo as instituições sindicais e
forçando à revisão das legislações trabalhistas.
Além disso, para se habilitar aos melhores trabalhos
e alcançar reconhecimento profissional, o indivíduo necessita cada vez mais de
uma formação educacional e de uma propensão ao aprendizado constante. O
trabalho, que sempre teve característica de labuta, de obrigação, de punição,
sofrimento e restrição, começa assim a destacar a questão do sucesso pessoal, do
reconhecimento social. Os nobres de outrora não trabalhavam, os executivos de
hoje, porém, trabalham mais horas que seus subordinados.
Sendo assim,
como fica o chefe moderno? A resposta é simples: esgotado pelo excesso de
trabalho. Ele enfrenta um desafio muito mais complexo do que o de seus
antecessores: espera-se que o chefe de hoje delegue poder e, ao mesmo tempo,
mantenha alguma forma de controle; que aproveite os talentos criativos de seus
funcionários e, ao mesmo tempo, crie uma cultura comum dentro da empresa. Hoje,
o chefe tem que passar muito mais tempo reunido com esses irritantes
trabalhadores do conhecimento que se espalham por número cada vez maior de
países. Além de tudo, ele tem que ser o revolucionário que pode ter fracassado
no passado e que conhece bem tanto Aristóteles quanto Drucker. Não é surpresa
que o mercado de busca de executivos esteja crescendo 15% ao ano e que seja
normal ver os chefes divorciando-se ou casados com a secretária. (Micklethwalt, Mooldridge, 1998, p. 142-143)
No outro extremo, a economia capitalista tem
necessidade de repensar a divisão social do trabalho, de modo a manter seu dinamismo
com os recursos que começam a se tornar subutilizados. Não é de estranhar,
portanto, que, concomitantemente à diminuição da jornada de trabalho, temos o
desenvolvimento das atividades econômicas ligadas aos setor de lazer. Por outro
lado, a existência de indivíduos com maior tempo disponível não necessariamente
implica em aumento de consumo, principalmente se alocados em subempregos. O
tempo livre, por si só, pode também se constituir em fonte de desestruturação
social, do que é exemplo o problema da violência.
Domenico De Masi, defensor da necessidade de
redefinição da postura pessoal perante o trabalho, assim dimensiona tal questão:
Com base nas
estatísticas, um homem de 20 anos tem diante de si pelo menos 60 de vida.
Traduzidos em horas, como a carga de uma bateria, 60 anos equivalem a 525 mil
horas.
Se esse
homem encontrasse hoje mesmo um trabalho estável, se o deixassem trabalhar em
paz até os 60 anos e se trabalhasse todo dia – como é mais do que certo – o
suficiente para acumular duas mil horas de trabalho por ano, ainda assim, no
todo, sua experiência não superaria as 80 mil horas.
Naturalmente,
esse homem deverá dedicar parte considerável da vida – digamos, dez horas por
dia – ao sono, aos cuidados do corpo, aos afazeres domésticos. Tudo somado,
outras 219 mil horas.
Depois de
tudo, portanto, tirando o trabalho e os cuidados do corpo, o nosso jovem tem
diante de si um monte de tempo livre. O trabalho representará, portanto, mais
ou menos a sétima parte da longa vida que lhe resta e cerca de um terço do seu
tempo livre total. E todos – a família, a escola, o governo, os mass media –
preocupam-se em prepará-lo para uma profissão, mas ninguém se preocupa em
prepará-lo para o ócio. (De Masi,
1999, p. 11)
Preparar para o ócio não significa a defesa da
vadiagem, mas preparar o indivíduo para gerir bem suas horas livres, procurando
novos horizontes, outras formas de aprendizado que não necessariamente
vinculadas ao trabalho cotidiano. É preparar o indivíduo para não se tornar um mero
indolente fora do ambiente de trabalho ou alguém propenso a descarregar sua
energia de forma socialmente negativa. Em termos sociais, é algo que até o
momento não constituía preocupação no sistema econômico e para o qual ainda não
estamos devidamente preparados.
A “vadiagem”
é fácil; mas o “lazer” é difícil. Para os jovens, principalmente, é provável
que signifique rebuliço frenético – ou então o árduo trabalho de “costurar” no
trânsito de uma estrada movimentada – e não repouso filosófico. “Para ser um
bom aristocrata, é preciso aprender a ociosidade dignificante desde a mais
tenra infância”, era um dito comum na mais esnobe das sociedades ocidentais, a
Whig do final do século dezoito e início do dezenove na Inglaterra. E “O diabo
encontra trabalho para mãos desocupadas” é um provérbio ainda mais antigo. (Drucker, 1997, p. 294)
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
DE MASI, Domenico. O Futuro do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio;
Brasília: UNB, 1999.
DORNBUSCH,
Rudiger, FISCHER, Stanley. Macroeconomia.
5. ed. São Paulo: Makron, 1991.
DRUCKER, Peter. Fator
Humano e Desempenho. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
MICKLETHWALT, John, WOOLDRIDGE, Adrian. Os Bruxos da Administração. 3. ed. Rio
de Janeiro: Campus, 1998.