O psicólogo americano Abraham Maslow
definiu, certa vez, que os desejos humanos são hierarquizados. À medida que são
satisfeitos, perdem sua importância na concentração de esforços do indivíduo,
que passa a desviar sua atenção para novas necessidades, novos desejos.
Assim, é estabelecida uma constante
busca por novas realizações, pela satisfação de novos desejos, o que também implica
em frustrações e, em decorrência, um processo constante de aprendizado e
adaptação do homem ao meio.
A capacidade de aprendizado, a
inquietação em buscar novas realizações, diferencia o ser humano das demais
espécies animais. Esse processo é responsável pela evolução do cérebro, pelo
desenvolvimento da inteligência, pela capacidade do homem em transformar a
natureza física do mundo, e até mesmo promover sua destruição.
O processo de aprendizado, de
interação com o meio e com outros indivíduos, também implica em lidar com o
desconhecido sem necessariamente encontrar as respostas. O filme Baraka (palavra sufi que significa "o homem em interação com o Universo"),
apresentando imagens de diferentes culturas e regiões do planeta, nos dá uma
noção para compreensão desse processo. De um lado, a ânsia humana em obter
todas as respostas, e a impossibilidade imediata de tal realização, promove o
surgimento das mais distintas práticas religiosas. De fato, não é um equívoco
considerar que as religiões surgem da adaptação humana à impossibilidade em
responder as perguntas fundamentais sobre a origem e o significado da
existência. Trata-se, no nível individual, de um conforto ao desconforto, ao sentimento
de atomicidade, de vazio existencial, de um contraponto à frustração. Por outro
lado, em nível social, a religião permite a identificação de grupo, a junção de
esforços individuais para novas realizações.
Assim, o trabalho humano, no
conjunto social, também tem seu papel de fator de estabilização, promovendo a
harmonia ao focar as ações individuais e a identificação de grupo. E permite a
verificação de sinergias, pela realização de tarefas as quais um único
indivíduo jamais poderia efetuar.
Porém, a religião, com suas regras e
limitações calcadas num gnosticismo ao qual apenas a crença pode corroborar,
também pode causar desarmonia social quando passamos para níveis mais amplos de
análise – do qual é um bom exemplo as relações entre judeus, muçulmanos e
cristãos ao longo da história. Além disso, a limitação do indivíduo ao
pensamento do grupo, às regras religiosas, pode constituir limite ao
desenvolvimento pessoal e mesmo social, fazendo com que o ser humano perca a
oportunidade de gerir seu maior diferencial, que é a capacidade de pensar, de
aprender, de inventar, de transformar. Exemplo claro dessa limitação imposta é
o papel que o islamismo tem relegado às mulheres.
Também o trabalho pode ser um fator
de limitação à conduta humana. Se, por um lado, a aglutinação de indivíduos em
tarefas coordenadas, numa mesma organização, permite a realização de sinergia,
a concentração de esforços na criação de produtos e serviços que vão além do
que apenas um indivíduo seria capaz de realizar, a necessidade de manutenção da
ordem, de coordenação, de se adaptar às funções e se relacionar com pessoas
dentro de um mesmo contexto, também podem ocasionar desperdício de talento
humano, de maior oportunidade para interação da inteligência com o meio, de
desenvolvimento do aprendizado. Isso porque, por mais que a sociedade tenha
conseguido tornar os meios de subsistência mais acessíveis, não há como prover
a todos os indivíduos os mesmos níveis de oportunidades e escolhas. O peso do
acaso, da oportunidade, é relevante na efetivação do desenvolvimento pessoal em
sociedade.
Na dinâmica da economia capitalista,
tendo por base o nível de desenvolvimento tecnológico alcançado e suas
implicações sobre o contexto social, pela primeira vez vislumbra-se a
possibilidade do homem desenvolver sua capacidade de aprendizado sem prejudicar
a realização das necessidades econômicas (por exemplo, a Grécia Antiga atingiu
um alto desenvolvimento do livre-pensar, da filosofia, mas em detrimento da
evolução tecnológica, já que as tarefas comuns ficavam a cargo de escravos). Os
limites capitalistas ao uso da mão de obra estão sendo atingidos em vários
setores, pela inserção de máquinas e pela necessidade de agregação de serviços
aos produtos. O ser humano e seu diferencial, sua capacidade de pensar, de
aprender, sua inteligência, passam a ter cada vez mais um papel fundamental no
desenvolvimento do sistema.
Naturalmente, pode-se argumentar que
tal não significa uma maior liberdade humana, mas antes uma maior opressão, sua
maior vinculação e aprisionamento ao sistema, ao domínio econômico. De fato,
não se trata esta de uma crítica a ser desconsiderada. Em todo caso, em nada
isso diferencia o capitalismo e as relações humanas ao longo da história, como
muitas vezes já se tentou fazer. Cabe enfatizar o diferencial que agora se
estabelece, da habilidade humana, do conhecimento, como aspecto central do sistema
econômico, e suas consequências no desenvolvimento do pensamento humano.
O ponto a se enfatizar é que a
concorrência intercapitalista e o desenvolvimento tecnológico se mesclam com o
conhecimento, com o aprendizado. Isso acarreta não só a necessidade de uma
maior e mais prolongada formação do indivíduo, mas a necessidade de constante
reciclagem, de atualização.
A demanda econômica por
trabalhadores mais qualificados, tem também gerado uma nova percepção, a da
interação do ser humano quando em grupo, a criação de sinergias que vão além da
divisão do trabalho, mas da troca de experiências, de ideias. Por trás da
evolução tecnológica, há uma evolução gerencial. Isso significa que o maior
tempo dedicado ao trabalho, a jornada de trabalho, por si só não se traduz em
maior eficiência. O tempo fora do trabalho, desde que bem aplicado, também pode
tornar o trabalho mais produtivo. E aplicar bem o tempo fora do trabalho
significa usá-lo para desenvolvimento do diferencial humano, para o exercício
do conhecimento, do aprendizado. Não se trata simplesmente de viver em função
da busca de oportunidades que possam ser aplicadas ao trabalho, mas de procurar
estabelecer uma harmonia que tenha como fundamento o evoluir do pensamento, o
exercício da capacidade de pensar.
Assim, se profissionalmente podemos
estar fadados à especialização, e todos os riscos daí decorrentes, com uma
postura individual mais generalista esse risco é amenizado ou pode mesmo
inexistir, gerando um contraponto que não só permita ao indivíduo a adaptação a
diferentes tarefas e profissões, um maior grau de escolha e independência, como
também um melhor esclarecimento às suas decisões de vida.