Certa vez, fiz acordo para pagamento de verbas
trabalhistas junto ao Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista (Ninter)
da Paraíba.
Não é objetivo aqui discutir as peculiaridades desse
tipo de acordo. No caso, haviam depósitos de Fundo Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) em aberto, sendo acordado que deveriam ser realizados até
determinada data e encaminhados os comprovantes para o Ninter.
Pois bem, após lidar com a incrível complicação de
gerar guias de FGTS e proceder o pagamento na data estipulada, verifiquei que
as guias não indicavam a quem se referia cada depósito. Essa informação
constava em relatórios que discriminavam os nomes e valores indicados no
arquivo de apuração do FGTS. E esses relatórios não ficavam muito legíveis
quando impressos ou encaminhados por fax.
Desse modo, encaminhei fax para o Ninter informando a
relação dos nomes correspondentes aos pagamentos realizados, com os
comprovantes, e enviei os relatórios com detalhamento por e-mail. Cada um dos
que fizeram parte dos acordos poderia comprovar o depósito de FGTS em seu
extrato, junto à Caixa Econômica Federal (que, inclusive, costuma encaminhar
essa informação, periodicamente, pelo correio).
Considerei o caso resolvido. Porém, tempos depois,
tive uma penhora em conta corrente. Procurei saber do que se tratava, pois não
tinha nenhuma informação a respeito. Descobri que se referia a um processo
trabalhista. Pesquisando mais, verifiquei que vários dos participantes dos
acordos junto ao Ninter entraram com ações alegando não cumprimento do
pagamento de valores de FGTS.
Ao que parece, o Ninter ignorou meu fax e e-mail.
Talvez quisessem que eu comparecesse pessoalmente para demonstrar os
pagamentos, embora os acordos não estipulassem a forma como os comprovantes
deveriam ser apresentados.
O fato é que o Ninter expediu certidões de
descumprimento, informando que eu não havia feito os pagamentos. Tais certidões
originaram ações de execução, curiosamente todas com a mesma advogada.
E, mais ainda, nos acordos havia uma pegadinha: era
afirmado que, se eu não apresentasse os comprovantes de pagamento no prazo
estipulado, tal obrigação (de fazer) se constituiria em obrigação de pagar, ensejando
multa de 100% sobre o "valor acordado".
Fica a lição: muito cuidado ao fazer acordos em
comissões de conciliação prévia. Muitas vezes os acordos são mal redigidos,
causando dúvidas. Nesse caso, a que se referiria o termo "valor
acordado"? Multa sobre a dívida toda, mesmo se já paga? Era o que a
advogada pretendia. E por que os comprovantes que encaminhei foram simplesmente
ignorados?
Minha primeira medida foi encaminhar cópia de tudo
que eu havia enviado ao Ninter, por correio (com aviso de recebimento), inclusive
dos respectivos comprovantes de envio, além de uma carta ressaltando que eles
estariam sujeitos à responsabilidade por eventuais danos decorrentes de
informações equivocadas.
O segundo passo foi pesquisar, no site do Tribunal Regional do Trabalho da
Paraíba (TRT-PB), cada processo da advogada indicada no caso onde tive conta
bancária penhorada. Afinal, como de nada fui notificado, e ciente que a Justiça
do Trabalho muitas vezes considera o assistencialismo e protecionismo acima da
lei, era natural supor que novas penhoras iriam ocorrer.
Feito isso, tive que gastar com contratação de
advogado. Mas, como estudante de direito, aproveitei os processos para analisar
todas as questões envolvidas, fazer "embargos à execução" (em caso
onde houve penhora) e "exceção de pré-executividade" (quando não
houve).
Nas defesas apresentadas, em todos os casos, foram
reconhecidos os pagamentos realizados (após consulta do juiz à Caixa Econômica
Federal, atestando a veracidade de meus comprovantes). Porém, também foi
verificado que faltou um saldo a recolher - falha minha, ao juntar as
informações e gerar os comprovantes, o que nunca tinha feito antes e me pareceu
absurdamente complexo.
Além disso, foi determinado que a multa deveria
incidir sobre o saldo que faltou pagar, e não sobre todo o valor objeto de
acordo. Não faria sentido que fosse diferente.
Mas a advogada não se conformou e, postergando a
conclusão dos casos, por três vezes (em processos diferentes), tentou reformar
o julgamento com uso de "agravo de petição". Em todas as vezes
perdeu, finalmente desistindo.
Apesar da péssima redação nos acordos de conciliação,
e da minha inexperiência à época (pensava que o atendimento no Ninter seria
mais imparcial e correto), em "contrarrazões de agravo de petição"
destaquei jurisprudência do próprio Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba,
considerando o estabelecido no seguinte artigo do Código Civil :
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente
pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o
montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a
natureza e a finalidade do negócio.
Sendo tal regra aplicável ao processo trabalhista
diante do disposto no art. 8° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT):
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça
do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme
o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e
normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de
acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que
nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Parágrafo único - O direito comum será fonte
subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os
princípios fundamentais deste.
Assim, apesar do custo com advogado, do tempo
despendido, da demora na decisão de defesas, penhoras e risco de penhoras etc.,
tais processos foram de grande aprendizado para mim, para compreender o modo de
atuação da Justiça do Trabalho, infelizmente nem sempre respaldado na
legalidade.
No transcorrer desses processos, apesar das defesas
apresentadas e antes de decidir a respeito, alguns juízes inscreveram meu nome
no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT). Se eu tivesse algum
relacionamento econômico com a administração pública, tal inscrição equivaleria
a uma condenação prévia, sem direito à defesa e com prejuízos decorrentes.
Pior ainda, durante a tramitação desses processos, o
TRT-PB divulgou uma "lista dos cem maiores devedores". E lá estava
meu nome, na 89° posição, com 11 processos.
Essa lista foi divulgada no site do TRT-PB:
E também em outros sites, como:
Porém, a lista divulgada pelo TRT-PB chama a atenção
por alguns problemas lógicos que, ao meu ver, qualificam a informação apresentada
como falsa:
Em primeiro lugar, como divulgam uma lista sem
mencionar a data? Quem fizer alguma consulta vai pensar que a listagem é atual.
Como poderiam ter cometido um erro tão grotesco? Isso me fez lembrar do
episódio quando o TRT-PB publicou uma "carta de amor" em seu diário
eletrônico (ver AQUI).
Em segundo lugar, a lista não indica os maiores devedores,
apenas quem tem mais processos inscritos no chamado Banco Nacional de Devedores
Trabalhistas (BNDT). Para indicar os "maiores devedores" seria
necessário informar o valor devido, não a quantidade de processos.
Em terceiro lugar, como qualificar como devedor
alguém que tem defesa aguardando decisão?
Verifica-se, portanto, a atuação ilegal de juízes
trabalhistas, que se prontificam a fazer inscrição de demandado no BNDT antes
mesmo de analisarem o caso, naquela visão maniqueísta que muitas vezes observamos
(tanto na doutrina, quanto na jurisprudência), onde, se alguém é empregador,
presume-se culpado.
Enfim, mesmo considerando a atualização dos valores,
a multa de 100%, e até mesmo o pagamento de multa sobre multa (diante de
aplicação ilegal de adicional de 10% do art. 475-J do Código de Processo Civil
no processo trabalhista, que não é assunto aqui), além da análise econômica de
cada caso (muitas vezes, verifica-se que é mais barato pagar algo irregular do
que gastar para recorrer), em todos os processos que apresentei defesa os
valores foram reduzidos drasticamente. Por exemplo, em um caso passou de R$
1.091,07 para R$ 302,78, em outro caso de R$ 1.203,12 para R$ 421,32, em outro
de R$ 560,00 para R$ 41,08... E, assim, foram sendo concluídos os processos,
embora alguns de forma muito lenta, diante da espera para devolução de cartas
precatórias.
Cabe destacar que, quem tem coragem de colocar o nome
na frente de empreendimentos no Brasil, seja como sócio, seja como diretor,
deve ter ciência que irá lutar contra carga tributária elevada, burocracia
absurda, imparcialidades, ameaças, inveja, com todo tipo de gente querendo
levar vantagem e, também, com arbitrariedades cometidas pela Justiça do
Trabalho. Deve, portanto, estar preparado para ser processado em algum momento.
Não vejo nada de anormal ou vergonhoso nisso, considerando que tal exposição tenha
sido o objetivo do TRT-PB ao divulgar a lista dos supostos devedores.
Portanto, já que é válido preparar listas sem
critério e sem data, estou iniciando agora a minha "Lista dos Piores
Tribunais do Brasil".
Em primeiro lugar, está o Tribunal Regional do
Trabalho da Paraíba, por divulgar lista de supostos devedores sem considerar o
valor (deveria, então, chamar de "lista dos mais demandados"), em processos
não conclusos e por não indicar a data de apuração da informação.