O Prof. Dr. Luiz Flávio Gomes (LFG) publicou, em
18/04/2014, um artigo com o título: "Matou quatro pessoas e foi absolvido
por ser rico" (ver AQUI).
Nesse texto, o Dr. LFG critica os "sistemas
penais burgueses", por serem "extremamente desiguais". Pode ser,
mas, me perguntei, qual sistema seria "mais igual"? O dos países
socialistas - Cuba, Coréia do Norte, a ex-URSS? Dr. LFG não diz, de modo que
fiquei refletindo, sem muita certeza, sobre suas palavras:
Ser absolvido de um crime por ser milionário não
constitui nenhuma novidade. Que o diga a história da humanidade e da Justiça
criminal. Os ricos (especialmente nos sistemas penais burgueses extremamente
desiguais) gozam de muitos privilégios, ideologicamente perpetuados nas
respectivas culturas. Eles fazem de tudo para não serem nem sequer processados
(muito menos condenados).
Fiquei mais confuso ainda quando, para criticar os
"sistemas penais burgueses", o Dr. citou Cesare Beccaria, que, em
1764, teria condenado o tratamento desigual concedido aos nobres. Mas a crítica
seria contra a burguesia ou contra a nobreza?
Feita essa confusa introdução, o Dr. LFG adentrou o caso
que deu título a seu artigo:
Ethan Couch, um adolescente norte-americano de 16
anos, no Texas, conduzia seu veículo em estado de embriaguez (três vezes acima
do permitido) quando matou quatro pessoas num acidente automobilístico. A
prisão que seria a reação natural, sobretudo se se tratasse de um jovem negro e
pobre.
Entendi: o rapaz foi absolvido simplesmente porque
era branco e rico. E o Dr. LFG, que já foi juiz, critica a fundamentação da
sentença:
Fundamentação do juiz: “os pais de Ethan sempre lhe
deram tudo o que ele queria, e nunca lhe ensinaram que as ações têm
consequências. Ocupados com o seu egoísmo e as suas próprias vidas, deixaram-no
crescer entregue a si mesmo, sem lhe incutirem bons princípios - um problema
típico desse tipo de famílias, segundo o tribunal. O menino foi desculpado,
portanto”.
O Dr. LFG, então, descarrega sua indignação fazendo
um paralelo com o caso brasileiro. Em sua visão, o problema é que os menores
infratores ricos são postos em liberdade, mas reduzir a maioridade penal
pioraria as coisas:
No Brasil isso já ocorreu incontáveis vezes em
relação aos menores ricos (para que destruir o futuro de uma criança ou de um
adolescente do “bem”?). E vai ocorrer com mais intensidade se o legislador
brasileiro (irresponsavelmente) não resistir à tentação de reduzir a maioridade
penal (quando vamos entender que lugar de menores é na escola, não em
presídios?). Já hoje praticamente não se vê nenhum menor rico cumprindo a
“medida” de “internação”. A Justiça trata os menores milionários de forma
diferente; apenas não costumam ser tão explícitos como foi o juiz
norte-americano do caso Ethan.
Como o Dr. LFG ligou o problema à discussão
brasileira sobre redução da maioridade penal, considerei relevante procurar
saber mais sobre a opinião dele a respeito. Assim, consultei seus artigos
"Redução da maioridade penal", de 2007 (ver AQUI), e "Menores,
como os bezerros, jamais abandonados nas ruas", de 2013 (ver AQUI).
Nesses textos, o Dr. LFG argumenta que menores
infratores não devem ser presos, mas internados. Mais que isso, para ele,
crianças e adolescentes (6 a 18 anos) devem ser obrigados a permanecer em escolas
no período das 8h às 18h, como precaução para não enveredarem no mundo do
crime.
Confusões ideológicas à parte, o Dr. LFG se revoltou
com o fato do adolescente americano Ethan Couch ter se livrado sem nenhuma
consequência penal.
Mas seria isso verdade?
No artigo "Matou quatro pessoas e foi absolvido
por ser rico" o Dr. LFG indicou um site de notícias português, chamado
Expresso (ver AQUI).
Lá encontramos um texto com o título "Matou
quatro pessoas, mas o juiz diz que não o prende por ser rico", de autoria
de um tal Luis M. Faria, que revela as mesmas concepções ideológicas do Dr.
LFG:
Para justificar a decisão de não prender, o juiz
explicou que os pais de Ethan sempre lhe deram tudo o que ele queria, e nunca
lhe ensinaram que as acções têm consequências. Ocupados com o seu egoísmo e as
suas próprias vidas, deixaram-no crescer entregue a si mesmo, sem lhe incutirem
bons princípios - um problema típico desse tipo de famílias, segundo o
tribunal. O menino tem desculpa, portanto.
Resolvi, então, procurar informações em sites americanos. Para não cometer injustiça
com o Dr. LFG, consultei as seguintes informações:
26/03/14 - Crash survivor family to seek civil trial
for Ethan Couch family
http://www.myfoxdfw.com/story/25083264/family-of-crash-survivor-to-seek-trial-for-ethan-couch-family
05/02/14 - Ethan Couch sentenced to unspecified amount
of rehab in crash that killed 4, injured 2
27/03 - Family wants a jury trial in civil suit
against Couch
11/04 - Parents of Ethan Couch to pay fraction of
rehab bill
11/04 - 'Affluenza' teen's family won't pay full rehab
fee
16/04 - Ethan Couch Case Sparks Sentencing Controversy
in Texas
02/05/14 - Ethan Couch, 'Affluenza' Teen Who Killed 4
In Crash, Given No Jail Time
Desse modo, apurei o seguinte:
1. Em junho de 2013, o adolescente Ethan Couch, de 16
anos, alcoolizado e dirigindo acima do limite de velocidade, causou um grave
acidente, matando quatro pessoas e causando sequelas em duas. O adolescente
tinha licença para dirigir, com a restrição que deveria estar acompanhado de um
passageiro com pelo menos 21 anos ao seu lado (o que, aparentemente, não estava
sendo cumprido).
2. Em audiência, a defesa do adolescente solicitou o
testemunho de um perito, o psicólogo Dick Miller. Este declarou que o
adolescente sofreria de "affluenza" (o que se refere a um
comportamento irresponsável causado por materialismo, consumismo, ambição), que
teria sido "estragado" pela família rica, não possuindo, assim, senso
de responsabilidade. A própria promotoria comentou que essa estratégia da
defesa foi inadequada e que o especialista perdeu credibilidade com tal
argumentação.
3. O adolescente havia sido condenado a 10 anos de
reclusão. Mas a pena foi revista, pela juíza (e não juiz) Jean Boyd, para que Ethan
fosse internado num centro de tratamento, por prazo indeterminado, com custos
pagos pelos pais, além de outras restrições.
4. As famílias das vítimas, naturalmente, se
revoltaram contra o fato de Ethan Couch não ir para prisão, aparentemente
justificando tal fato por ele ser rico.
5. O advogado de defesa declarou a necessidade de
reconhecer que um rapaz de 16 anos deve ser julgado de forma diferente que um
adulto de 25 anos. Imagino que o Dr. LFG deva concordar com isso, dado seu posicionamento
contrário à redução da maioridade penal.
6. Posteriormente, ficou decidido que o jovem seria
encaminhado para o centro de reabilitação de um hospital estadual, onde os pais
seriam responsáveis apenas por uma parte do custo do tratamento - o que ensejou
novas críticas.
7. A juíza Jean Boyd vem sendo atacada pela imprensa,
pois, em outros casos, aplicou sentenças muito mais duras.
Observa-se, portanto, que o texto do Dr. LFG é
baseado em informações inverídicas. A juíza do caso fez exatamente o que o Dr.
LFG recomenda: não mandou o menor para prisão, mas sim para internação, além de
aplicar penas restritivas de direitos.
Surpreendentemente, o Dr. LFG criou toda uma celeuma
revolucionária, de burguês que critica o "sistema penal burguês",
para atacar um caso que está de acordo com suas concepções contra a redução da
maioridade penal.
Dr. LFG não devia se basear apenas em informação
divulgada pelo site português Expresso, que, pelo demonstrado, tem como
colaborador um desonesto intelectual chamado Luis M. Faria.
REFERÊNCIAS:
GOMES,
Luiz Flávio. Redução da Maioridade Penal,
2007. Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20070212062941460>.
Acesso em: 23 abr. 2014.
GOMES,
Luiz Flávio. Menores, como os bezerros,
jamais abandonados nas ruas, 2013. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2013/05/07/menores-como-os-bezerros-jamais-abandonados-nas-ruas/>.
Acesso em: 26 abr. 2014.
GOMES,
Luiz Flávio. Matou Quatro Pessoas e Foi
Absolvido Por Ser Rico, 2014. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/116627160/matou-quatro-pessoas-e-foi-absolvido-por-ser-rico>.
Acesso em: 23 abr. 2014.