No curso de economia que fiz, em universidade pública,
além da visão ideológica predominante, marxista-keynesiana, a única alternativa
era estudar a chamada economia neoclássica, caracterizada por modelos
matemáticos de equilíbrio distantes da realidade.
É justamente esse distanciamento da realidade, por
parte dos modelos econômicos, que vem destacar o livro Competição e Atividade Empresarial, de Israel Meir Kirzner.
A tese principal do livro é que a análise econômica
não deve focar numa situação ideal de equilíbrio, mas no dinamismo do mercado:
(...) A fim de compreender o funcionamento de uma
economia de mercado, argumentamos, é necessário prestar atenção, não às
condições exigidas para o equilíbrio de mercado, mas às mudanças sistemáticas
que podemos esperar que sejam geradas num mercado onde essas condições não são
satisfeitas. A ênfase posta no processo de mercado, e não no equilíbrio de
mercado, possibilitou-nos perceber [que] o papel da atividade empresarial é reconhecer o caráter essencialmente
competitivo do processo de mercado. Ao seguirmos essa linha de raciocínio,
ganhamos um novo insight sobre uma série de características importantes do
sistema de mercado. (p. 183)
Nesse sentido, a concepção de Kirzner se diferencia
da de Schumpeter (autor que eu admirava no curso de economia), posto que este
admite uma situação de equilíbrio que é abalada pela inovação (a
"destruição criadora"), ao passo que Kirzner enfatiza a força do
desequilíbrio, da busca de novas oportunidades, como motor do sistema capitalista.
(...) O empresário de Schumpeter age para
perturbar uma situação de equilíbrio existente. A atividade empresarial rompe o
fluxo circular contínuo. O empresário é descrito como iniciador de mudanças e
como gerador de novas oportunidades. Embora cada explosão de inovação
empresarial leve eventualmente a uma nova situação de equilíbrio, o empresário
é apresentado como uma força desequilibradora, e não equilibradora. O
desenvolvimento econômico, que Schumpeter, evidentemente, faz depender
tremendamente da atividade empresarial, é “inteiramente estranho ao que pode
ser observado na... tendência para o equilíbrio”. (p. 71)
Assim, Kirzer destaca, como aspecto fundamental em
sua teoria, a concepção de processo de mercado:
Minha ênfase nessa diferença entre a discussão de
Schumpeter e a minha sublinha a importância crucial da atividade empresarial no
processo de mercado. Um tratamento como o de Schumpeter, que invoca a atividade
empresarial como uma força exógena elevando a economia de um estado de
equilíbrio (para eventualmente atingir outro estado igual como resultado da
ação de “imitadores”), transmite provavelmente a impressão de que para atingir
o equilíbrio, nenhum papel empresarial é, em princípio, necessário. Um tal
tratamento, em outras palavras, provavelmente gerará a visão terrivelmente
errada de que o estado de equilíbrio pode-se estabelecer a si mesmo, sem nenhum
dispositivo social para aplicar e ordenar as informações dispersas que são a
única origem de um tal estado. (pp.
71-72)
Dessa forma, podemos enfatizar a seguinte
diferenciação: enquanto, para Schumpeter, a atividade empresarial é ligada à
atividade inovativa, aos saltos tecnológicos, ao desenvolvimento, para Kirzner
a atividade do empresário visa preencher os espaços, aproveitar as oportunidades
econômicas que vão surgindo e que, assim, mantém o funcionamento do mercado, no
atendimento à demanda por produtos.
(...) Para Schumpeter, a atividade empresarial é
importante sobretudo por deslanchar o desenvolvimento econômico; para mim, ele
é importante sobretudo por possibilitar que o processo de mercado funcione em
todos os contextos — sendo a possibilidade de desenvolvimento econômico vista
simplesmente como um caso especial. (p. 78)
A passagem a seguir destaca mais claramente essa
diferença de visões, do empresário inovador, que causa uma situação de
desquilíbrio num mercado inicialmente equilibrado (Schumpeter) e do empresário
especulador, no bom sentido da palavra, que encontra uma situação de
desquilíbrio, e a explora, atendendo uma demanda existente (Kirzner):
(...) para Schumpeter, a essência da atividade
empresarial é a capacidade de afastar-se da rotina, de destruir estruturas
existentes, de afastar o sistema do fluxo regular e circular do equilíbrio.
Para nós, por outro lado, o elemento crucial na atividade empresarial é a
capacidade de ver oportunidades inexploradas cuja existência prévia significava
que a regularidade inicial do fluxo circular era ilusória — que, longe de estar
em estado de equilíbrio, ela representava uma situação de desequilíbrio
inevitavelmente destinada a ser perturbada. Para Schumpeter, o empresário é a
força perturbadora e desequilibradora que tira o mercado da sonolência do
equilíbrio; para nós, o empresário é a força equilibradora cuja atividade reage
às tensões existentes e fornece as correções pelas quais as oportunidades
inexploradas estão clamando. (p. 114)
REFERÊNCIAS
CONSULTADAS:
KIRZNER, Israel M. Competição e Atividade Empresarial. 2° ed. São Paulo: Instituto
Ludwig von Mises Brasil, 2012. Disponível em: http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=67