Vender aceitando pagamento em cheque é algo muito
perigoso. Existem várias possibilidades de golpes. E, principalmente, quando há
ingenuidade e falta de cuidado por parte do vendedor, como nesse caso que
chegou ao meu conhecimento:
Em determinada loja, atuando há pouco tempo no
mercado, foi realizada uma venda de R$ 4.100,00, com pagamento à vista em
cheque.
O vendedor não se preocupou em conferir a
documentação do comprador. Apenas observou que o cheque era de boa procedência
e não constava nenhum registro em órgão de consulta (Serasa). Além disso, o
comprador tinha boa aparência, bons modos e inspirava confiança.
Pior ainda, a pessoa que retirou as mercadorias era
outra. E assinou o canhoto da nota fiscal de modo que o nome ficou ilegível. O
vendedor não anotou o nome por extenso, nem o CPF do retirante. Nem mesmo
conferiu seus documentos.
No dia seguinte, o cheque foi depositado e retornou
com a indicação "motivo 20". Conforme Circular 3.535 do Banco Central
do Brasil, tal registro refere-se ao seguinte:
Art. 1º Os motivos de devolução de cheques a seguir
passam a ter as seguintes descrições e especificações de utilização:
(...)
II - motivo 20 - cheque sustado ou revogado em
virtude de roubo, furto ou extravio de folhas de cheque em branco, a ser
utilizado na devolução de cheque objeto de sustação ou revogação realizada
mediante apresentação de boletim de ocorrência policial e declaração firmada
pelo correntista relativos ao roubo, furto ou extravio de folhas de cheque em
branco;
Tentaram entrar em contato com o comprador, mas não
conseguiram falar com ele. Nunca estava em casa, sua mãe atendida, dizia que
daria recado, mas nada. O celular também não funcionava. Isso levantou
suspeitas.
Curiosamente, algum tempo depois, consulta ao sistema
Serasa começou a indicar o registro de "Documentos Roubados, Furtados ou
Extraviados". O titular do cheque havia sido furtado quase dois meses
antes da realização da compra. Vê-se, portanto, que pode existir, conforme
particularidades de cada caso, um lapso de tempo significativo entre uma
ocorrência e seu registro. Desse modo, é um erro confiar apenas nesse tipo de consulta,
como fez a loja.
Mas, diante da dificuldade de comunicação com o
titular do cheque, a loja resolveu fazer um registro negativo, de pendência
financeira, em seu nome (Pefin).
Recebi a documentação e tentei entrar em contato com
o titular do cheque. Sem sucesso. Nunca estava em casa, quem atendia anotava
recado, mas ninguém ligava de volta.
Assim, de posse do cheque, fui a três cartórios para
verificar se o titular do cheque tinha registro de assinatura, pois observei,
em consulta na internet, que ele estava vendendo um imóvel. Tinha registro em
um cartório, mas a assinatura era diferente.
Também tentei decifrar quais os nomes possíveis da
pessoa que assinou o canhoto da nota fiscal e verifiquei se havia registro em
cartório. Nenhum registro a respeito, mas informaram que consultas sem o número
do CPF não eram muito confiáveis.
Isso deixou claro que a situação era um golpe. Assim,
solicitei à empresa que retirasse imediatamente o registro negativo contra o
titular do cheque - antes que isso causasse prejuízos ao mesmo, podendo
resultar em pleito por reparação de perdas e danos.
Por fim, realizei a ação que deveria ter tomado em
primeiro lugar (mas não fiz por questões de logística): fui à agência bancária
do titular do cheque.
Antes, porém, consultei a respeito no site do Banco Central do Brasil. A
Resolução 3.972/2011 diz o seguinte:
Art. 6º A instituição financeira sacada é obrigada a
fornecer, mediante solicitação formal do interessado, as informações adiante
especificadas, conforme os casos indicados:
(...)
III - declaração sobre a autenticidade ou não da
assinatura do emitente, mediante exame equivalente ao que seria realizado em
procedimento de pagamento de cheque apresentado ao caixa, em se tratando de
cheque devolvido por sustação ou revogação motivada por furto, roubo ou
extravio de folha de cheque em branco.
Assim, preparei um requerimento, assinado por sócio
da empresa, com a seguinte solicitação:
Nos termos do art. 6°, III, da Resolução n° 3.972 do
Banco Central do Brasil, solicitamos emissão de Declaração Sobre Autenticidade
ou Não da Assinatura do Emitente, referente cheque abaixo indicado e anexo,
sustado pelo motivo 20:
CHEQUE N° XXXXXX
CONTA: XXXX-X
TITULAR: XXXXXXXXXXXX
De posse desse requerimento, em duas vias, mais o
cheque, cópia do contrato social e de procuração da empresa, fui até a
respectiva agência.
O gerente analisou a documentação, pediu o cheque e afirmou:
"de cara já digo que essa não é a assinatura dele!"
Mas aí veio outro funcionário do banco, dizendo que
existia resolução do Banco Central impedindo que a instituição passasse
informações sobre o titular da conta em caso de cheque furtado.
Concordei e disse que não queria informações sobre o
titular, apenas a conferência da assinatura. E saquei a cópia da resolução
3.972/2011, que levei com as respectivas passagens marcadas. Só restou a ele assentir
e dizer que iria orientar o pessoal a respeito.
No mais, eles me atenderam bem, confirmaram que foi
um caso com registro de boletim de ocorrência, que o titular da conta teve,
inclusive, o celular roubado (por isso que não funcionava, quando liguei).
Mostraram-me o registro da assinatura. Completamente
diferente. Comprovado tratar-se de um golpe. Diante da falta de qualquer
documento que pudesse ensejar cobrança a respeito, considerei o caso resolvido.
Valor perdido.
Fica o exemplo para os incautos.
REFERÊNCIAS
CONSULTADAS:
BRASIL. Banco Central do Brasil. Circular 3.535 de
16/5/2011. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=circ&ano=2011&numero=3535>.
Acesso em: 16 mai. 2014.
BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução 3.972 de
28/4/2011. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=res&ano=2011&numero=3972>.
Acesso em: 16 mai. 2014.