O Direito do Trabalho no Brasil tem características
de rigidez e intervencionismo estatal, dificultando a adequação das relações de
trabalho diante da dinâmica econômica (Siqueira Neto, 1996, apud Busnello, 2000; Ferretti & Funchal,
2011).
Ao contrário de outros países, no Brasil a margem de
negociação nos contratos coletivos de trabalho é limitada e restrita pelo
ordenamento legal, onde se inclui a Constituição Federal, a Consolidação das
Leis do Trabalho, súmulas e orientações jurisprudenciais do Tribunal Superior
do Trabalho, súmulas do Supremo Tribunal Federal, Código Civil, entre outros.
Além disso, a maior parte das propostas que tramitam no Congresso Nacional
dizem respeito à área trabalhista - portanto, a tendência é de ainda mais
regulamentação (Pastore, 2010; Pastore, Werner & Marx, 2011).
O principal código que rege a legislação trabalhista,
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), foi criado em 1943, no governo do
presidente Getúlio Vargas, tendo inspiração fascista e se caracterizando por
uma ideologia corporativista, em prol da intervenção estatal em todos os
aspectos da vida social (Gonzaga, 2003; Lourenção, 2011; Costa, 2005).
A Justiça do Trabalho adota ênfase em posicionamentos
que incentivam um viés protecionista e assistencialista, assumindo
exclusividade na resolução de conflitos laborais e podendo anular qualquer
disposição firmada em acordo ou convenção coletiva (Pastore, Werner & Marx,
2011).
Iniciativas como a Lei da Arbitragem (Lei 9.307/1996)
e a criação de Comissões de Conciliação Prévia (Lei 9.958/2000), que
permitiriam maior possibilidade de composição entre as partes e redução da
carga de processos, acabaram rechaçadas e esvaziadas por parte do Ministério
Público do Trabalho e da própria Justiça do Trabalho (Pastore, Werner & Marx,
2011).
A esse respeito, destaca-se o depoimento do juiz
Grijaldo Coutinho, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho, a Pessanha & Morel (2011):
(...) O golpe de misericórdia, que praticamente
liquidaria a CLT, previa a mudança do Artigo 618, que estabelece[ria] a prevalência
do negociado sobre o legislado.
(...) Era ano de eleições, e o PT mobilizou a
oposição para somente votar a medida provisória que garantia a prorrogação da
CPMF caso a mudança da CLT saísse da pauta. Ao tomar posse, o Lula mandou
arquivar o projeto.
Em sentido contrário, as mesmas autoras registram o
depoimento do juiz Theodomiro R. dos Santos:
Eu sempre fui contrário ao poder normativo, que
representa uma herança do regime corporativista do Estado Novo, correspondendo
ao Estado paternalista. Para termos uma classe operária e comerciários fortes,
atuantes, com poder de reivindicação, será sempre preciso estimular a sua
organização, ao invés de nos colocarmos em seu lugar. O Estado não deve
substituir os órgãos de representação dos trabalhadores. Isso é péssimo para a
organização do povo. [Mas] Da maneira como a situação está posta, o que resta à
Justiça do Trabalho é o papel de polícia. Quando a greve atingir o interesse
público, o interesse da comunidade, a coletividade, os tribunais serão chamados
a interferir. A questão é: quem define o que é prejudicial ao interesse social?
Dessa forma, verifica-se, no Brasil, não apenas rigidez
nas relações de trabalho, mas uma ideologia dominante, inclusive no ensino de
direito e formação de advogados, que acaba por inibir qualquer discussão a
respeito de maior flexibilidade nos contratos de trabalho. Corrobora para tal o
fato do país não ter atravessado crise de desemprego aparente nos últimos anos
(Pastore, Werner & Marx, 2011).
Além disso, a Justiça do Trabalho tem, como regra, a
atribuição de superioridade jurídica ao trabalhador, como forma de proteção,
sob o pressuposto que esse é inferiorizado na relação econômica com o
empregador. Nesse sentido, considera-se, como princípio, que eventual dúvida na
resolução de uma lide deve ser considerada em favor do empregado (in dubio pro operario), pois a este deve
ser aplicada a norma mais favorável, a condição que lhe seja mais benéfica (Martins,
2004, apud França, 2005; Süssekind,
2004, apud Amado, 2010).
Na aplicação do Direito do Trabalho, verifica-se a
defesa de decisões com base em princípios jurídicos, mesmo em detrimento do
estabelecido no texto legal, o que implica em grande insegurança jurídica (Trindade
& Morais, 2011; Nunes, 2011; Arruda Junior, 2009; Teixeira, 2012).
A esse respeito, pesquisa realizada junto a
magistrados trabalhistas indicou a prevalência de entendimento que o direito
instituído (legislado) não pode ser atingido pela negociação direta. E que, por
outro lado, o judiciário pode reinterpretar a legislação, com base em
princípios jurídicos (Pessanha & Morel, 2008).
No mesmo sentido, pesquisa de Castellar (2005, apud Timm, 2006) indicou que os juízes
preferem "fazer justiça social", em detrimento da mera aplicação da
lei na revisão de contratos.
Diante desse contexto, acaba por prevalecer uma
cultura de falta de confiança nas relações de trabalho no Brasil, onde os
Tribunais do Trabalho julgam mais de dois milhões de caso por ano (Robortella, 2011,
apud Pastore, Werner & Marx, 2011;
França, 2011, apud Pastore, Werner
& Marx, 2011).
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