* Texto adaptado do Capítulo 4 da dissertação de
mestrado "Sistemas de Remuneração Por Desempenho: Uma Abordagem Com Base na
Teoria da Contingência" - disponível no link: http://tinyurl.com/purgvbu
1. A
Indústria de Móveis no Brasil
O setor moveleiro no Brasil se desenvolve
principalmente a partir da década de 1970, voltado ao atendimento da demanda
interna, sem uma estratégia para competição no mercado internacional (Guedes,
2008. p. 100).
Em decorrência disso, o Brasil tem, historicamente,
inexpressiva participação no mercado mundial de móveis, com cerca de 1% do market share global (Rodrigues, 2006, apud Behr et al., 2010).
Na produção moveleira nacional, destaca-se o segmento
de móveis de madeira para residência (camas, mesas, cadeiras, roupeiros,
criados etc.), que responde por aproximadamente 60% do total (Murad, 2007, p.
32).
Verifica-se que a produção de móveis no Brasil é regionalmente
concentrada, principalmente nos estados do Sul e Sudeste, onde se realiza cerca
de 90% da fabricação nacional. O setor é formado principalmente por micro e
pequenas empresas, de capital nacional, com grande absorção de mão de obra (Villaschi
& Bueno, 2002; Albino et al.,
2008; Behr et al., 2010; Mafia, 2005,
p. 49; Valença, Pamplona & Souto, 2002).
Assim, podemos dizer que o setor moveleiro se
caracteriza pela formação de "arranjos produtivos locais" ou clusters (Mafia, 2005, p. 36).
Embora existam divergências conceituais, podemos
caracterizar os arranjos produtivos locais pela concentração geográfica de
empresas de um mesmo segmento, não necessariamente com grande interação entre
as mesmas, mas sendo verificável a obtenção de ganhos de eficiência comuns.
Isso porque tal aglutinação implica na instauração de entidades importantes
para o poder de competição das empresas, como fornecedores mais sofisticados,
infraestrutura, serviços etc. Além disso, pode propiciar oportunidades práticas
de cooperação e crescimento coletivo entre seus integrantes (Schmitz, 1997, apud Denk, 2002; Porter, 1990, apud Behr et al., 2010; Porter, 1999, apud
Mafia, 2005, p. 36; Mafia, 2005, p. 47; Santos, Diniz & Barbosa, 2004).
Enfim, a localização próxima de firmas de um mesmo
segmento advém da configuração de vantagens como: disponibilidade e
qualificação de mão de obra, mercado consumidor, logística, acesso a
fornecedores, tecnologia, serviços, informações comerciais etc. (Villaschi
& Barros, 2004; Katz, 2000, p. 104,
apud Fernades & Oliveira Junior, 2002; Gonçalves, 2001, apud Pessotti & Souza, 2006)
Dessa forma, a proximidade e interação entre
diferentes firmas e outros atores institucionais tem o potencial de criar
externalidades positivas, sendo importante para potencializar a inovação e a
difusão de conhecimentos (Vargas, 2002 apud
Villaschi & Barros, 2004; Cassiolato & Lastres, 2001, Pereira & Carvalho,
2008, apud Behr et al., 2010).
Porém, Villaschi & Barros (2004) ressaltam que a
mera existência dessas vantagens não é suficiente para sustentar vantagens
diferenciais de longo prazo em um mercado competitivo, sendo necessária a
incorporação de rotinas de aprendizado e estratégias para inovação.
2. A
Indústria de Móveis em Linhares
Na década de 1960, o Estado do Espírito Santo
atravessou período de crise, diante da decadência no mercado de café e da falta
de alternativas econômicas. Em 1962, foi elaborado um plano para erradicação
dos cafezais menos produtivos no Brasil, que atingiu profundamente a lavoura
capixaba. No entanto, com as indenizações decorrentes desse programa, surgiram
oportunidade para implantação de novas atividades (Guedes, 2008, p. 64-65).
Nesse contexto, o movimento migratório para ocupação
de terras no norte do Espírito Santo, particularmente na região dos municípios
de Linhares e Colatina, dá início ao embrião do que irá se constituir no pólo moveleiro
de Linhares, bem como no pólo de confecções de Colatina (Guedes, 2008, p. 67,
71).
Particularmente no município de Linhares, além do
crescimento populacional decorrente desse processo de desocupação de terras e
da mudança de investimentos da lavoura de café (expansão da cacaicultura,
agropecuária, exploração madeireira), destaca-se a construção da BR 101 durante
a década de 1960, o que propicia um cenário favorável ao crescimento econômico no
decênio seguinte (Guedes, 2008, p. 71, 100; Villaschi & Bueno, 2002; Pereira
& Campos, 2009; Sindimol, 2007).
Além da produção artesanal, em pequenas oficinas de
marcenaria, o período de 1965 a 1975 verifica a implantação de quatro fábricas
de compensados na região norte do Estado (Guedes, 2008, p. 84).
Quando uma dessas fábricas de compensado é desativada
(a Mobrasa, localizada em Linhares), suas instalações são adquiridas pelos
irmãos Rigoni, que já atuavam na fabricação de móveis. No local, em 1979, é
instalada a produção de móveis seriados da fábrica Movelar, que acaba por ditar
o perfil do pólo moveleiro a ser consolidado na região. É a partir da
qualificação e especialização de mão de obra, bem como da difusão de
informações e do sucesso alcançado por esse empreendimento, que se dará o
estímulo para formação de outras empresas, inclusive por funcionários que
deixaram a Movelar (Sindimol, 2007; Guedes, 2008, p. 88).
Assim, desde sua formação, as empresas do pólo
moveleiro de Linhares apresentam uma cultura de seguir empresas líderes locais,
através da absorção de mão de obra, definição de mercado de atuação, métodos de
produção etc. (Sindimol, 2007)
Tal constatação está em acordo com o conceito de
isomorfismo mimético, segundo o qual as organizações procuram soluções
similares às de outras instituições que se encontrem ajustadas ao ambiente
(organizações líderes). Trata-se de uma forma de evitar incertezas e riscos
para as operações, de aumentar a probabilidade de se conseguir um melhor
encaixe junto ao ambiente onde a empresa se insere (Rosseto & Rosseto,
2005).
Curiosamente, processo semelhante é verificado na
formação de outros pólos moveleiros nacionais, como é o caso da cidade de Ubá,
no Estado de Minas Gerais, a partir do estabelecimento de uma grande empresa
(Dolmani) na década de 1970 (Mafia, 2005, p. 56).
Tanto no pólo moveleiro de Ubá quanto no de Linhares,
verifica-se a predominância de uma cultura de competição entre as empresas, que
muitas vezes se vêem como concorrentes, o que gera desconfiança mútua e
dificulta a maior troca de conhecimentos, integração e aprendizado coletivo (Villaschi
& Barros, 2004; Pessotti & Souza,
2006; Fandiño, Chrispim & Castro Junior, 2005).
Não obstante, observa-se que, no pólo moveleiro de
Linhares, o processo de interação entre as empresas, particularmente desde a
fundação do Sindicato das Indústrias da Madeira e do Mobiliário de Linhares
(Sindimol), em 1987, vem propiciando o surgimento de atividades conjuntas. Por
exemplo, pode-se destacar: a formação de grupos de compra para matérias-primas
e maquinário; parcerias em vendas e produção (produtos ofertados em conjunto,
porém com fabricação em empresas distintas); formação de redes de terceirização
(desverticalização da produção); estímulo para instalação de empresas que
agreguem vantagens competitivas à produção local (como fábrica de embalagens);
programas de qualificação de mão de obra e representatividade setorial quanto à
tributação, diante de políticas de desoneração adotadas em pólos moveleiros de
outras regiões (Sindimol, 2007).
Em consulta direta aos empresários locais, Villaschi
& Barros (2004) verificaram, dentre os fatores advindos da vantagem de
localização: disponibilidade de mão de obra qualificada, infraestrutura,
proximidade de clientes e fornecedores, serviços técnicos especializados, entre
outros.
Destaca-se o maior crescimento do pólo moveleiro de
Linhares a partir da consolidação do Plano Real (segunda metade da década de
1990), quando, com a maior abertura da economia, os empresários passaram a
visitar feiras internacionais e fábricas no exterior, incorporando novos
conceitos em seu parque fabril. Atualmente o município de Linhares constitui um
dos principais pólos moveleiros do Brasil (Villaschi & Bueno, 2002; Villaschi
& Barros, 2004; Rosa et al., 2007;
Silva & Santos, 2005).
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