Seguem algumas observações e recomendações sobre
concessão de vale-transporte em empresa privada:
1. Quando
deve ser concedido o vale-transporte
O vale-transporte é benefício do empregado, sendo sua
concessão obrigatória quando requisitado.
A requisição de vale-transporte deve ser feita por
escrito, com assinatura do empregado (normalmente essa requisição é um dos
documentos disponibilizados na documentação de contratação). Em caso de mudança
de opção (dispensando vale-transporte ou solicitando sua adoção), considera-se
o mesmo critério: documento datado e assinado pelo empregado, que deve ser
arquivado na empresa (pois cabe a esta fazer prova em eventual processo
trabalhista).
O vale é devido para deslocamentos entre a ida e
volta ao trabalho - ou seja, dois vales por dia de trabalho (podendo ser mais
se necessário usar mais de uma condução no trajeto, sem alternativa disponível,
conforme parágrafo único do art. 2º do decreto 95.247/1987).
O empregador não deve fornecer vale se disponibilizar
transporte para o deslocamento dos empregados (exceto se o transporte ofertado
não cobrir todo trecho, necessitando o empregado de usar de transporte público
para chegar à sua residência - parágrafo único do art. 4º, art. 19, decreto
95.247/1987; art. 1º e art. 4º, lei 7.418/1985).
Caso o empregador forneça transporte aos empregados,
é possível que, mesmo assim, proceda o desconto do valor equivalente ao
vale-transporte, conforme lei 7.418/1985:
Art. 8º - Asseguram-se os benefícios desta Lei ao
empregador que proporcionar, por meios próprios ou contratados, em veículos
adequados ao transporte coletivo, o deslocamento integral de seus trabalhadores
2.
Vale-transporte não é salário
O vale-transporte não tem natureza salarial, não implicando
em seus reflexos (férias, FGTS, aviso prévio etc.). Conforme decreto
95.247/1987 (e art. 2º da lei 7.418/1985):
Art. 6° O Vale-Transporte, no que se refere à
contribuição do empregador:
I - não tem
natureza salarial, nem se incorpora à remuneração do beneficiário para
quaisquer efeitos;
II - não constitui base de incidência de contribuição
previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço;
III - não é considerado para efeito de pagamento da
Gratificação de Natal;
IV - não configura rendimento tributável do
beneficiário.
3. Momento
de entrega do vale-transporte
O vale-transporte deve ser entregue ao empregado
antecipadamente. Primeiro o empregador compra os vales, depois entrega ao
empregado para uso no mês, sem fazer qualquer desconto antecipado. Por fim,
quando da apuração do salário do mês, o empregador providencia o desconto
respectivo no contracheque. É o que se depreende do decreto 95.247/1987:
Art. 2° O Vale-Transporte constitui benefício que o
empregador antecipará ao trabalhador
para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e
vice-versa.
(...)
Art. 19. A concessão do benefício obriga o empregador
a adquirir Vale-Transporte em quantidade e tipo de serviço que melhor se
adequar ao deslocamento do beneficiário.
Parágrafo único. A
aquisição será feita antecipadamente e à vista, proibidos quaisquer
descontos e limitada à quantidade estritamente necessária ao atendimento dos
beneficiários.
4. Desconto
do valor do vale-transporte
O vale-transporte deve ser adquirido pelo empregador,
para entrega ao empregado que o solicitar.
No entanto o empregador poderá descontar até 6% do
salário do empregado para compensar essa despesa. Cabe frisar que o desconto
deve ser aplicado apenas ao salário base, não incidindo sobre horas-extras,
comissões ou outros recebimentos (art. 9º e art. 12 do decreto 95.247/1987;
art. 4º, parágrafo único, lei 7.418/1985).
Na prática, algumas questões devem ser observadas:
Primeiro, o empregador deverá adotar um mesmo
percentual de desconto para todos os funcionários optantes de vale-transporte.
Segundo, o empregador não deve adotar desconto com
percentual inferior a 6% do salário base. Se adotar um percentual menor, não
conseguirá aumentar futuramente.
Terceiro, existem casos, de salário mais alto, onde
não compensa ao empregado o desconto de 6% do salário. Fica mais caro que ele
pagar as passagens de ônibus. O art. 11 do decreto 95.247/1987 tem uma regra
para casos assim: o empregado opta pelo vale-transporte, mas o desconto a ser
realizado em seu contracheque corresponderá ao valor dos vales (resultando em
valor menor que 6% do salário). Na prática, essa regra não parece boa solução.
Quarto, se o empregado é "comissionista
puro" (não tem um salário fixo, recebe apenas comissões sobre vendas, por
exemplo), como deve ser calculado o desconto do vale-transporte? Nesse caso, o
art. 12, inciso II, do decreto 95.247/1987 indica que o desconto deve ser feito
com base no valor recebido em cada mês. Não me parece um bom critério, diante
do que foi indicado acima (o desconto pode ser maior que o valor dos vales).
Para casos assim, eu consideraria o salário base indicado na Convenção Coletiva
de Trabalho (afinal mesmo o comissionista puro deve ter assegurado esse
recebimento mínimo).
Quinto, já vi casos onde o empregado não opta pelo
vale-transporte e questiona sobre a possibilidade de compensação pelo fato de
gastar combustível com o deslocamento entre a residência e o trabalho. Trata-se
de uma questão não prevista explicitamente em lei. A empresa não deve entrar em
tal polêmica, é melhor considerar a legislação. Portanto, recomendo nem
discutir esse tipo de compensação. O empregado opta pelo vale-transporte ou não
- se não opta é opção dele escolher o meio de deslocamento que irá adotar.
Por fim, é extremamente recomendável que a empresa
não deixe de fazer o desconto correspondente ao vale-transporte. Se não
proceder o desconto, dificilmente conseguirá estabelecê-lo no futuro. Além
disso, estará sujeita a questionamentos sobre natureza salarial do valor gasto
com vale-transporte, já que não foi descontado.
5.
Vale-transporte pago em dinheiro
Existe jurisprudência favorável à concessão de
vale-transporte em dinheiro. Porém, essa prática é desaconselhável.
Primeiro porque, se a empresa adotar esse
procedimento, provavelmente será questionada judicialmente, sujeitando-se a
custos, discussão sobre provas e posicionamentos divergentes. Conforme o caso,
a concessão do vale-transporte em dinheiro poderá ensejar seu reconhecimento
como salário, implicando no pagamento de multas e encargos. Ou seja, o
pagamento de vale em dinheiro implica em risco desnecessário.
Segundo porque a legislação veda expressamente a
concessão de vale-transporte em dinheiro, sendo aceito apenas em situações
excepcionais. Cita-se o decreto 95.247/1987:
Art. 5° É
vedado ao empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de
pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. No caso de falta ou insuficiência de
estoque de Vale-Transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao
funcionamento do sistema, o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na
folha de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado,
por conta própria, a despesa para seu deslocamento.
A questão se complica se o pagamento do
vale-transporte em dinheiro estiver previsto em Convenção Coletiva de Trabalho.
Nesse caso, é possível que o pagamento em dinheiro seja aceito (embora o
posicionamento da jurisprudência possa variar). Aliás, é curioso que o decreto
4.840/2003 preveja o pagamento de vale-transporte em dinheiro:
Art. 2º Para
os fins deste Decreto, considera-se:
(...)
IX - auxílio-transporte, mesmo se pago em dinheiro; e
Porém, mesmo sendo esse o caso, é recomendável que a
empresa consulte o sindicato patronal e busque orientação com advogado
trabalhista, avaliando riscos e custos.
6. Uso
indevido do vale-transporte
E se o empregado opta pelo vale-transporte e não usa,
por exemplo, vendendo os vales para terceiros?
Teoricamente isso seria fraude e ensejaria medidas da
empresa, inclusive demissão por justa causa.
Na prática, porém, é melhor a empresa nem fiscalizar
isso, se atentando às questões inerentes ao trabalho em si. E, se não estiver
de acordo com os procedimentos adotados pelo empregado, que o dispense
normalmente.
Afinal, demissão por justa causa implica na
existência de provas robustas, que possam ser apresentadas em juízo, caso
contrário a empresa correrá o risco de se sujeitar à reversão da demissão e
pagamento de indenizações, além do desgaste e dos custos de um processo
trabalhista.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
BRASIL. Decreto nº 4.840, de 17 de setembro de 2003.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4840.htm>.
Acesso em: 04 abr. 2015.
BRASIL. Decreto nº 95.247, de 17 de novembro de 1987.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d95247.htm>.
Acesso em: 04 abr. 2015.
BRASIL. Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7418.htm>.
Acesso em: 04 abr. 2015.