Em Uma Crítica
ao Intervencionismo, Ludwig von Mises apresenta uma análise econômica de
bom senso, que se mostra atual, como contraponto à divulgação da ideologia intervencionista
prevalecente.
O autor, primeiramente, resgata a ascensão do
liberalismo como movimento contra os privilégios concedidos pelo estado - visão
que, historicamente, vem sendo deturpada pelos inimigos da liberdade de
mercado:
Os escritores anticapitalistas dão muita ênfase ao
fato de que a economia clássica servia aos "interesses" da "burguesia",
o que, supostamente explicaria seu êxito, levando, por sua vez, ao êxito da
burguesia. Ninguém ousaria duvidar de que a liberdade alcançada pelo
liberalismo clássico proporcionou o incrível desenvolvimento das forças de
produção durante o último século. Mas infelizmente é um engano acreditar que,
por se opor à intervenção, o liberalismo clássico tenha obtido uma aceitação
mais fácil. Ele enfrentou a oposição de todos aqueles a quem a atividade febril
do governo concedia proteção, favores e privilégios. O liberalismo clássico,
não obstante, só pôde prevalecer em decorrência de ter sobrepujado intelectualmente
os defensores do privilégio. Não havia novidade no fato de as vítimas do
sistema de privilégios reivindicarem a extinção desse sistema. A grande
novidade foi o enorme sucesso obtido pelas críticas ao sistema de privilégios,
sucesso que deve ser atribuído exclusivamente ao triunfo das ideias do
liberalismo clássico. (p. 34)
O autor também questiona a ideologia marxista, que
procura estabelecer críticas maniqueístas ao capitalismo, mas sem apresentar
alternativas viáveis (infelizmente, causa surpresa constatar que o pensamento
marxista seja, ainda hoje, predominante em muitas universidades brasileiras).
(...) Durante as décadas de 1820 e 1830, na
Inglaterra, fez-se uma tentativa no sentido de usar a economia para demonstrar
que a ordem capitalista, além de injusta, não funciona satisfatoriamente. A
partir daí, Karl Marx criou seu socialismo "científico". No entanto,
mesmo que Marx e seus seguidores tivessem conseguido provar, com sucesso, suas
teses contra o capitalismo, teriam, ainda, de provar que uma outra ordem
social, como o socialismo, seria melhor do que o capitalismo. E isso não foram
capazes de fazer. Não conseguiram nem mesmo provar que uma ordem social pode,
de fato, ser fundamentada na propriedade pública dos meios de produção. Pelo
simples fato de rejeitarem ou deixarem de lado qualquer análise das "concepções
utópicas" do socialismo, eles, evidentemente, não resolveram nada. (p. 35)
É certo que as tentativas de implantação do
socialismo resultaram - e ainda resultam - em retumbantes fracassos, como
esperado. Destaca o autor:
O socialismo não fracassou por causa da resistência
ideológica - até hoje, a ideologia dominante é a socialista. Fracassou pela sua
inviabilidade. À medida que se tomava consciência de que, quanto mais distante
se ficava da ordem de propriedade privada, mais reduzida ficava a produtividade
da mão de obra, e consequentemente mais aumentava a pobreza e a miséria,
tornou-se necessário não só parar a corrida para o socialismo, mas também
anular algumas das medidas socialistas já tomadas. Até os soviéticos tiveram de
ceder. Não continuaram a socialização da terra: limitaram-se a distribuir as
terras à população rural. No comércio interno e externo, substituíram o
socialismo puro pela "nova política econômica". Entretanto, a ideologia
não acompanhou esse recuo. Agarrou-se, obstinadamente, às concepções de décadas
atrás e procurou atribuir os fracassos do socialismo a todas as causas
possíveis, excetuando a única verdadeira: sua inviabilidade básica. (p. 87)
Mises já percebia algo que ainda se verifica nos
tempos de hoje: o uso do "capitalismo" como bode expiatório, diante
do fracasso na adoção de soluções calcadas em teorias inconsistentes, nos erros
políticos, nas falhas decorrentes da intervenção estatal na economia etc. - em
detrimento da ação dos indivíduos e grupos responsáveis por esses fracassos.
Hoje, é comum culpar o capitalismo por tudo o que
causa desagrado. Aliás, quem sabe o que nos poderia acontecer se não fosse o
'capitalismo'? Quando grandes sonhos não se realizam, o capitalismo é
imediatamente acusado. Esse procedimento, possível na política partidária, deve
ser evitado na discussão científica. (p. 74)
Isso posto, devemos analisar quais são as implicações
do movimento intervencionista/ estatista que, dadas algumas variações,
prevalece desde os tempos de Mises. A visão do autor indica que o crescimento
da intervenção do estado na sociedade resulta na mesma situação de fracasso que
caracteriza o socialismo:
O intervencionismo procura manter a propriedade
privada dos meios de produção. No entanto, ordens autoritárias, especialmente
proibições, restringem as ações dos proprietários. Se essas restrições fizerem
com que todas as decisões importantes sejam tomadas de forma autoritária, se o
motivo não é o lucro dos proprietários, capitalistas e empresários, mas razões
de Estado, o que vai decidir como e o que deve ser produzido, teremos, então, o
socialismo, mesmo que se continue a empregar a expressão “propriedade privada”.
Othmar Spann está inteiramente certo quando diz que tal sistema é “um sistema
de propriedade privada em sentido formal, mas socialismo na sua essência”. (p.
17)
Não obstante, o papel do estado deve ser compreendido
na interação das forças políticas que o compõem, que o influenciam, de modo que
o efeito prático da intervenção estatal é bastante distinto do sonhado pelos
que ainda acreditam na ideologia socialista. Na verdade, a intervenção do
estado na economia visa proteger grupos econômicos de maior força, e não
defender um suposto bem-estar geral. O autor destaca o seguinte exemplo:
Hoje em dia, o problema pode ser visto desta forma:
fazendeiros e produtores de laticínios unem-se para provocar a subida do preço
do leite. Vem, então, o Estado, interessado no bem-estar social, tranquilizar a
todos colocando o interesse comum acima do interesse particular, o ponto de
vista da economia pública acima do interesse da iniciativa privada. Dissolve o
“cartel do leite”, estabelece preços máximos e enquadra criminalmente os
violadores das regras estabelecidas pelo intervencionismo. Como o leite não
fica tão barato quanto os consumidores pretendiam, as críticas se voltam contra
as leis, que não são suficientemente rigorosas, contra as medidas, ainda não
muito severas, de combate ao não cumprimento das leis. Como é muito difícil
lutar contra os interesses pelo lucro de certos grupos de pressão, que são
prejudiciais ao público, faz-se necessário reforçar e executar as leis
implacavelmente, sem quaisquer considerações. (p. 29-30)
Além disso, não devemos deixar de considerar a
burocracia, as dificuldades, os entraves inerentes à constante regulação
estatal e sua estrutura, que acabam por prejudicar o desenvolvimento econômico (o
que não é difícil de observar na prática).
Ao contrário do aumento da intervenção do estado na economia,
mostra-se socialmente benéfica a defesa da livre atuação dos agentes econômicos
- em síntese, a defesa da concorrência, não do estatismo.
É a concorrência que traz, em si, a necessidade de
eficiência, de inovação, enquanto a intervenção estatal tende à criação de
privilégios, de proteções inerentes à concentração do poder político.
(...) Numa economia capitalista, os meios de produção
estão sempre nas mãos do administrador mais capaz, isto é, aquele que é capaz
de usá-los mais economicamente para o atendimento das necessidades do
consumidor. Uma empresa pública, entretanto, é administrada por homens que não
enfrentam as consequências de seu sucesso ou fracasso. (p. 138)
Dessa forma, Mises conclui pela defesa do liberalismo
como meio mais eficaz para o maior desenvolvimento econômico e, por
conseguinte, social:
O conhecimento econômico leva necessariamente ao
liberalismo. Por um lado, demonstra que há apenas duas possibilidades para o
problema de propriedade em uma sociedade baseada na divisão de trabalho:
propriedade privada ou pública dos meios de produção. O chamado sistema
intermediário da propriedade “controlada” ou é ilógico, porque não conduz ao
objetivo pretendido e não produz nada a não ser uma ruptura do processo de
produção capitalista, ou acaba conduzindo à socialização total dos meios de
produção. Por outro lado, prova o que apenas recentemente foi aprendido com
clareza: uma sociedade fundamentada na propriedade pública não é viável, uma
vez que não permite previsão monetária e, consequentemente, não permite a ação
econômica racional. O conhecimento econômico, portanto, representa um obstáculo
às ideologias socialista e sindicalista que prevalecem em todo o mundo. E isto
explica a guerra movida em toda parte contra a economia e os economistas. (p.
76)
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA:
MISES, Ludwig von. Uma Crítica ao Intervencionismo. São Paulo: Instituto Ludwig von
Mises Brasil, 2010. Disponível em: <http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=55>.
Acesso em: 29 mai. 2015.