Em uma aula de propriedade intelectual, curso de
pós-graduação em direito, foi apresentado o seguinte questionamento:
O Walmart, no Rio Grande do Sul, divulgava
informações (panfletos e cupons) com os preços praticados pelos concorrentes.
Seria tal prática legal?
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) entendeu
que não (ver AQUI).
Argumentei que essa visão, que advém do direito
concorrencial e de algumas teorias econômicas, é completamente equivocada.
Observei o seguinte:
1) Antigamente eu verificava lojas do Walmart fazendo
essa comparação, particularmente com o Carrefour, mas não constatava mais tal
prática.
2) O argumento que a disponibilização desse tipo de
informação ensejaria prática monopolista não é correto. Primeiro porque a
concorrência propicia ao consumidor adquirir produtos melhores e mais baratos.
Segundo porque, se o suposto monopolista eliminasse a concorrência e voltasse a
praticar preços altos, novos concorrentes surgiriam. Terceiro porque surgiriam
alternativas de comercialização, caso o canal tradicional de varejo fosse
prejudicado (por exemplo, via internet), em consonância com o conceito de
"destruição criadora" (ver AQUI e AQUI).
3) O consumidor faz uma ponderação entre qualidade e
preço, entre outros fatores (status,
utilidade etc.). São os desejos do consumidor que ensejam a variedade de oferta
de produtos, dificultando que uma empresa concentre todas as vendas em um
mercado - o monopólio é dado pela impossibilidade de escolha, não pelo acesso à
informação.
4) Que, quando o Walmart iniciou atividades no Brasil,
fez promoção de geladeiras a preços muito baixos, levando o fornecedor a
comprar de volta o estoque para não prejudicar outros clientes. Ou seja,
esquece-se que os fornecedores também têm poder de mercado, que são uma das
forças concorrenciais (ver AQUI).
A partir daí, fiquei a ouvir as tentativas de
refutação desses argumentos, todas infundadas:
A) Uma aluna disse que o Walmart não podia apresentar a
informação comparativa de preços porque o consumidor poderia ser confundido.
Por exemplo: em determinado dia, seria feita uma oferta mostrando que o preço
no Walmart estava mais barato. Em outro dia, quando tal propaganda não fosse
apresentada, o consumidor consideraria que o Walmart é mais barato porque viu a
propaganda anteriormente.
Ora, esse tipo de argumento consiste em considerar o
consumidor absolutamente incapaz. Parte do pressuposto que o consumidor
considera o anúncio, mas não o preço indicado no mesmo, que não faz comparação,
que não tem nenhuma experiência de compras anteriores.
B) O professor disse que a decisão do TJ-RS estava
correta, pois o objetivo da concorrência não seria atender o consumidor, mas o
mercado. E ainda destacou que a base desse entendimento seria a Constituição
Federal.
Tentei argumentar que a concorrência deveria ser
encarada como algo supraconstitucional (afinal, a concorrência não é invenção
da Constituição Federal, nem existe em apenas um país - ainda mais sendo esse
país o Brasil).
C) Um aluno chegou a dizer que eu "partia da
premissa errada", pois não estava analisando a questão "pelo ponto de
vista histórico".
Queria ele dizer, com isso, que a história provaria
que o mercado tende a gerar concentração e eliminar a concorrência. Ou seja,
que a concorrência seria uma força auto-destrutiva e que não se renovaria - o
mercado seria estático.
Obviamente, nada mais equivocado. O referido aluno
apenas demonstrou ignorância sobre história e economia. Fiquei com a impressão
que, na visão dele e do professor, o direito deve ter inventado a economia.
D) O argumento mais recorrente foi que, se uma empresa
vende mais barato, ela irá concentrar o mercado e passará a vender mais caro,
prejudicando o consumidor.
É incrível como as pessoas não percebem que, se uma
empresa vende mais barato, as outras empresas serão forçadas a vender mais
barato também. Se não conseguirem, terão que encerrar as atividades ou mudar de
nicho de mercado.
Porém, se uma empresa pratica preços baixos e
consegue abocanhar a maior parte do mercado, como ela fará para aumentar preços
depois, sem atrair novos concorrentes? E como ela irá impedir que novos canais
de venda sejam criados? Ou que fornecedores resolvam criar suas próprias lojas?
A resposta seria que essa empresa só conseguiria
fazer algo assim se tivesse garantida a reserva de mercado, o que teria que ser
obtido pela proteção estatal. E garantido por consumidores, como o professor e
alunos dessa classe, dispostos a pagar mais caro (embora eu desconfie que, na
prática, a ação não corresponda ao discurso).
Enfim, ninguém soube responder minhas provocações.
O professor acabou dizendo algo no sentido que não
adiantaria questionar, pois ele não mudaria de opinião.
Como a aula não era sobre direito concorrencial, e o
assunto já estava incomodando o professor, decidi não questionar mais a
respeito.
Também entendo que o ST-RS errou nesta decisão. Além dos seus argumentos, eu penso que outras formas de um estabelecimento se afirmar sobre a concorrência diante dos clientes também são frequentes. Por exemplo, a promessa de cobrir qualquer oferta. A autonomia da empresa, segundo a linha de raciocínio dos que concordam com a ilegalidade, seria abalada a tal ponto de não poder decidir sobre o preço de suas mercadorias, sendo esta prática também uma forma de monopolizar ou eliminar concorrência.
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