I. Da
arbitragem
Inicialmente, considera-se que arbitragem é a
situação onde as partes em conflito se submetem à decisão de um terceiro, por
elas escolhido (Simini, Araújo, Borges, 2015).
Dentre as vantagens da arbitragem, Tura (2012 apud
Cappelletti, Laier, 2015) destaca: a confidencialidade da controvérsia, a
especialização ao tratar da matéria e a confiança estabelecida entre as partes
e o árbitro escolhido.
Portanto, em princípio, a convenção arbitral para
dirimir conflitos relativos a direitos disponíveis mostra-se como via adequada.
Trata-se, inclusive, de ambiente indicado e adequado para resolução de temas de
natureza negocial (Martins, 2004).
II. Sobre Anti-suit
Injunctions
Anti-suit
injunction diz respeito à ordem para
que se proíba as partes para ingressarem ou continuarem com determinado
processo - trata-se de uma injunção (imposição), uma ordem contra um processo
(Paganelli, 2011).
De um lado, a anti-suit
injunction pode ser favorável ao procedimento arbitral, ao impedir manobras
que poderiam postergar ou impedir a solução de um conflito - quando usada para
impedir o acesso a uma jurisdição incompetente. Por outro lado, e
principalmente quando a administração pública está envolvida, pode ocorrer o
uso de anti-suit injuctions como
forma de tornar inválido o compromisso arbitral firmado, mesmo após seu início
(Paganelli, 2011).
De forma a diferenciar essas situações, Phull (2011)
denomina de anti-arbitration injunction
o uso de medidas judiciais para tornar inválido um acordo arbitral, enquanto anti-suit injunction diria respeito a
determinação para que o caso não seja tratado em âmbito de jurisdição estatal,
mas mediante procedimento arbitral. Ou seja, anti-arbitration injunction diria respeito a medidas para bloquear
o compromisso arbitral, enquanto anti-suit
injunction visaria assegurar a realização da arbitragem, impedindo que o caso
seja solucionado pelo poder judiciário estatal.
III.
Arbitragem e Administração Pública
Dado o princípio da indisponibilidade do interesse
público, existe no Brasil resistência quanto à transação na solução de litígios
envolvendo a administração pública (Simini, Araújo, Borges, 2015).
Quando o estado atua diretamente em prol dos
interesses sociais, do interesse público ("interesse público
primário" - por mais subjetivo que seja isso), em suma, diante de seu
poder legal de coerção (poder de império), temos uma situação de
indisponibilidade, onde não poderia ser admitida a atuação arbitral.
Por outro lado, quando o estado interfere na economia
fazendo uso de empresas públicas ou de economia mista, deve ser considerado, no
que possível, o mesmo tratamento dado às pessoas jurídicas de direito privado,
como forma de se evitar um privilégio odioso em favor da administração pública.
Nessa condição, a administração pública deve ser considerada como capaz de
firmar obrigações como a convenção de arbitragem (é o que se chama de
"arbitrabilidade subjetiva").
Embora esses conceitos sejam obscuros, o que deve
prevalecer, em suma, é a verificação se a questão em análise de refere a
interesses patrimoniais e se esses interesses seriam disponíveis.
Portanto, levando em conta o histórico formalista que
caracteriza o poder judiciário e a administração pública, bem com o fato das
alterações promovidas pela lei 13.129/15 serem recentes e diante, ainda, de
certa obscuridade na delimitação de conceitos, seria ingenuidade considerar que
a discussão sobre aplicabilidade da via arbitral encontra-se encerrada.
A internalização da arbitragem, no Brasil, como meio
válido, alternativo e autônomo, notadamente quando envolve a administração
pública (mas não só) é um paradigma a ser mudado aos poucos, posto que esbarra
em uma cultura formalista, protecionista, hierarquizada e corporativa,
excessivamente direcionada para direitos sem considerar o outro lado da
balança, as obrigações. Exemplo disso é a firme resistência na adoção da via
arbitral em relações de consumo e de trabalho.
IV.
Considerações Finais
Sabe-se que existe uma crise do poder judiciário,
caracterizada pela burocratização e lentidão na prestação de solução aos
litígios, o que vem impedindo a efetividade do acesso à justiça na realidade
brasileira (Cappelletti, Laier, 2015; Silva, 2015).
Existe uma tendência de desjudicialização dos
litígios, de modo a se obter maior celeridade na solução de conflitos sem os
contratempos da atuação estatal (Cappelletti, Laier, 2015).
Verificamos que, ao passar do tempo, a alternativa de
arbitragem vem sendo inserida nos contratos administrativos. Podemos acompanhar
a respeito, por exemplo, na legislação seguinte: lei 9.472/1997
(telecomunicações), lei 9.478/97 (petróleo e gás), lei 10.233/2001 (transportes),
lei 10.438/2002 (setor elétrico), lei 11.079/2004 (parceria público-privada),
lei 11.196/2005 (pesquisa e desenvolvimento), lei 11.909/2009 (gás natural) e,
finalmente, a lei 13.129/2015.
Pode-se inferir, portanto, que existe uma tendência
em prol da adoção da arbitragem como meio válido para atender as necessidades
sociais na resolução de conflitos, inclusive envolvendo a administração
pública.
Não obstante, infelizmente, a ideologia predominante
no Brasil ainda impede a discussão arraigada sobre a real necessidade de
existência de empresas públicas e de economia mista. Isso poderá fragilizar a
mudança de paradigma, na medida que interesses políticos, que regem essas
entidades, poderão fazer uso indevido de aspectos como a confidencialidade arbitral
para acertos e desvios de recursos - em casos assim, acaba-se discutindo a
consequência (o procedimento adotado) e não a causa (a existência de empresas
públicas e de economia mista, geridas por interesses políticos).
Além disso, outro aspecto a se observar é que a
evolução da alternativa arbitral, embora seja tendência internacional, se
insere em outro contexto, qual seja, o reconhecimento tácito da incapacidade do
estado em prestar os serviços públicos demandados pela sociedade (dentre os
quais a resolução de conflitos).
Nesse contexto, é interessante observar que o estado
acaba delegando a prestação de serviços para a sociedade. Mas isso não acontece
como forma do estado diminuir sua interferência, antes o contrário: o estado
continua expandindo sua influência, absorvendo recursos da sociedade, porém,
transfere serviços e custos.
Exemplo a respeito são as obrigações tributárias (os
tributos aumentam e as obrigações também, com a operacionalização da
arrecadação "terceirizada" para o contribuinte). A disseminação da
arbitragem, no Brasil, tende a seguir o mesmo caminho. Não implicará em redução
ou aumento de eficiência do poder judiciário. Será uma medida alternativa, com
novos custos para as partes já pagadoras de impostos - e tendo ainda que lutar
contra interesses corporativos que impedem a maior disseminação do procedimento
arbitral.
Referências Consultadas:
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm>. Acesso em: 05 jan.
2016.
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13129.htm>.
Acesso em: 09 jan. 2016.
CAPPELLETTI, Priscila L. Q.,
LAIER, Maria G. A. O Entendimento
Contemporâneo Acerca do Princípio do Acesso à Justiça: uma análise a partir da
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Phull, Chetan. U.S. Anti-suit
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